Como a paixão de três irmãos por filmes antigos fez da ACE Team um estúdio excepcional

Em seus 10 anos de história (20, se considerarmos as origens da equipe na comunidade de mods de Doom e Quake), o estúdio chileno independente ACE Team conquistou uma notória reputação por seus jogos estranhos e fortemente autorais, a começar pelo seu primeiro sucesso, Zeno Clash, de 2009. Essa identidade, calcada nas estranhezas do surrealismo e do fantástico, vem da paixão por filmes antigos de ficção científica e fantasia dos irmãos AndrésCarlos e Edmundo Bordeu, fundadores da ACE Team — cujas iniciais deram origem ao nome do estúdio.

Edmundo Bordeu, um dos fundadores da ACE Team

Edmundo Bordeu, um dos fundadores da ACE Team

“Eu e meus irmãos, quando éramos crianças, amávamos basicamente qualquer coisa com stop motion e monstros, como GodzillaFúria de Titãs e O Cristal Encantado”, afirma Edmundo, em entrevista ao Overloadr. Ele veio a São Paulo para representar seu estúdio no Brazil’s Independent Games Festival, o BIG, onde o último jogo da equipe, The Deadly Tower of Monsters, concorre em quatro categorias, incluindo melhor jogo. Não por coincidência, o título é uma sátira a filmes B de ficção científica dos anos 50 e 60, e inclusive recria seus monstros de massinha e criaturas animatrônicas, levando em consideração as limitações técnicas que existiam na época. Em minha análise para o Overloadr, eu considero The Deadly Tower of Monsters a melhor sátira já feita para videogames sobre esse período do cinema.

“Ficção científica é um dos meus gêneros favoritos”, diz Edmundo. “E nós víamos muitos filmes de ficção científica ruins. Eu amava Mystery Science Theater 3000. E também os filmes de baixo orçamento, mas que ainda eram muito originais. Hoje você vai ao cinema e eles sempre são espetaculares e bem executados em tantos aspectos, mas se arriscam pouco.”

Risco, aliás, é algo que sintetiza bem o trabalho da ACE Team. Embora a equipe tenha tido a sorte de criar uma parceria forte com o braço americano da companhia japonesa Atlus (responsável pela série Persona) desde Rock of Ages, em 2011 (o que Edmundo revela ser o maior sucesso do estúdio até hoje, tanto que está ganhando uma continuação em breve), isso não significa que é sempre que seus jogos estranhos caem no gosto do público.

Apesar das críticas positivas e dos prêmios que está rendendo à equipe, as vendas de The Deadly Tower of Monsters ficaram abaixo do esperado — justamente o seu projeto de estimação. Segundo o SteamSpy, pouco mais de 100 mil unidades do jogo foram vendidas no Steam, menos que todos os outros títulos do estúdio. Edmundo diz acreditar que as referências aos anos 60 não têm funcionado muito bem nos videogames. “Headlander, da Double Fine, que bebe das mesmas fontes e tem muito em comum com a estética do nosso jogo, também foi um fracasso comercial, apesar das críticas positivas”, salienta.

deadly-tower-of-monsters-gameplay12.jpg

Mas os jogos da ACE Team vão muito além dos filmes antigos de ficção-científica. A equipe costuma olhar para a própria cultura e história para criar seus universos e personagens fantásticos. As obras de tons surrealistas do cineasta e escritor chileno Alejandro Jodorowsky foram uma forte inspiração para Zeno Clash, enquanto que a mitologia do arquipélago de Chiloé, localizado ao sul do Chile, inspiraram Abyss Odyssey, ambientado em uma Santiago alternativa do século XIX. “Eu me pergunto como é que as pessoas imaginam o Chile se eles olham para nosso jogo”, brinca Edmundo.

Outra forte influência para os irmãos é o cineasta Terry Gilliam, que fez parte da trupe de comédia Monty Python, na qual ele introduziu suas animações de recorte. “Não apenas você consegue ver as referências óbvias em Rock of Ages de sua estética e animações, mas também de sua direção. Esses [Gilliam e Jodorowsky] provavelmente são meus dois diretores favoritos, na verdade.”

Para seu próximo projeto, a equipe volta a olhar para o surrealismo e ficção científica, mas como é de se esperar da ACE Team, de um jeito nada convencional. The Endless Cylinder, que ainda não foi anunciado oficialmente (mas que Edmundo sugere estar com o desenvolvimento bem encaminhado), nos coloca no controle de uma criatura alienígena que acaba de nascer em um mundo que está sendo esmagado por um rolo compressor gigante.


Uma indústria em crescimento

Há muito em comum entre a indústria de games do Brasil e do Chile. Apesar do sucesso e reconhecimento da ACE Team, que se destaca em âmbito mundial por sua originalidade, apenas 12 pessoas trabalham no estúdio de forma fixa. Além dela, há no país a divisão de Santiago da Behavior (antes conhecida como Wanako, onde seus irmãos Andrés e Carlos chegaram a trabalhar), estúdio canadense responsável por Dead By Daylight e que colaborou no desenvolvimento de Fallout Shelter. Fora estes, há estúdios menores, como a Aone Games, que desenvolve o jogo de luta Omen of Sorrow, para PlayStation 4. O mais comum no país, porém, é a produção de jogos mobile.

Segundo Edmundo, a indústria de games chilena possui atualmente apoio financeiro e editais do governo, mas até alguns anos atrás, videogames eram bastante relegados, pois os órgãos públicos priorizavam o financiamento de filmes e outras mídias mais tradicionais. “Videogames eram meio alienígenas a eles”, conta.

“Quando você tinha que convencer as pessoas de que seu jogo trazia uma inovação técnica, eles entendiam. Por exemplo, Rock of Ages foi o primeiro jogo chileno a ser lançado em todas as plataformas simultaneamente. Era mais fácil conseguir apoio do governo, pois você tinha números para mostrar. Mas quando sua inovação não é de natureza técnica, e está ligada ao gameplay, à direção de arte ou coisas mais subjetivas, isso não significa nada para eles, pois você não consegue colocar um número ali. Você não consegue responder coisas como ‘ok, mas quantas cópias a mais você irá vender por conta de sua inovação?’ Isso é uma pergunta ridícula, impossível de responder.”

A falta de aporte e investimentos na área levaram muitos estúdios a recorrerem à produção de advergames para garantir a estabilidade financeira para, eventualmente, investir em uma produção original, explica Edmundo — exatamente como é o histórico de muitos estúdios no Brasil, como a Aquiris. “Atualmente, a associação de desenvolvedores do Chile está sendo bastante ativa para ser ouvida e agora o governo oferece diferentes linhas de financiamento”.