E3 2016: A indústria dos videogames lamentou o massacre LGBT nos EUA, mas foi suficiente?

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Quem acompanhou a E3 2016, realizada em Los Angeles, nos EUA, reparou que praticamente todas as companhias dedicaram algum momento de suas apresentações para prestar homenagens às vítimas do atentado à boate gay Pulse, em Orlando, que deixou 50 mortos na madrugada do último domingo (12).

As empresas, no entanto, não foram totalmente voluntárias em seus posicionamentos. A proposta foi feita pela Entertainment Software Association (ESA, que coordena a E3), que antes do início da feira recomendou que elas se manifestassem sobre o acontecimento. Considerando o clima de luto do país e o teor do evento, que celebra videogames, muitos deles violentos e focados no uso de armas de fogo virtuais, ignorar a tragédia, a maior dessa natureza na história dos EUA, seria uma enorme demonstração de falta de empatia e sensibilidade.

Foi o caso da EA, que apesar de ser exemplo de diversidade e inclusão para o público LGBT na indústria de jogos, deu início às conferências na tarde do próprio domingo sem fazer qualquer menção ao atentado. Os apresentadores e executivos da Bethesda, que ganhou os holofotes algumas horas mais tarde, também não tocaram no assunto, mas apareceram usando fitas com as cores do arco-íris LGBT, um sutil sinal de consciência e apoio aos amigos e familiares das vítimas. O gesto foi replicado em suas redes sociais, nas quais ela sobrepôs seu logotipo com as cores da bandeira gay. Posteriormente, a Microsoft, a Sony e outras companhias tomaram a mesma atitude em suas redes sociais.

Em sua apresentação oficial para o YouTube, o jornalista Geoff Keighley foi mais enfático em seu posicionamento, e tomou a liberdade de abordar o assunto com bastante sensibilidade.

 
 

“Ficaria desconfortável em começar sem mencionar o terrível massacre em Orlando”, disse, no início de sua transmissão. “Todos ficamos chocados com esses atos insensíveis de violência, e pensamos nos afetados. Fui para a cama ontem pensando na apresentação de hoje, e achei que seria insensível passar o dia mostrando jogos que, vamos ser sinceros, são violentos. Mas me dei conta do poder da plataforma que temos e a diversidade do conteúdo que tivemos. No ano passado, essa transmissão foi a maior do ano no YouTube, e isso importa. Milhões de pessoas se unem em torno de uma paixão por jogos. Eu estive em todas as 22 E3s, e fico empolgado com o evento porque o jogo é a forma mais poderosa de entretenimento. Em seu melhor, os jogos nos deixam escapar e reinventar o que somos, independente de onde estamos e das nossas circunstâncias. Me apaixonei por jogos na infância, e eles me mantiveram afastado de muita coisa ruim. Nunca olhei para trás. Espero que hoje passemos tempo pensando em como poder usar o poder dos games para um bem maior, e usar o amor que dedicamos a este meio para fazer do mundo um lugar melhor e mais seguro.”

Phil Spencer, chefe da divisão Xbox, e Aisha Tyler, apresentadora da Ubisoft, tomaram alguns poucos segundos para lamentar pelo ocorrido (a frase “nossos corações estão com vocês” aparecem em ambos os discursos), para logo então darem continuidade ao espetáculo.

Durante todas as suas transmissões ao vivo, funcionários da conservadora Nintendo usaram fitas coloridas na altura do peito. Reggie Fils-Aime, presidente da companhia nos EUA, deu início ao evento pedindo um minuto de silêncio a “dois trágicos eventos em Orlando”, mencionando diretamente apenas o assassinato de Christina Grimmie, participante do The Voice, que foi assassinada dois dias antes do massacre na boate Pulse, também em Orlando. A cantora visitaria o estande da companhia na E3.

 
Quase todos os funcionários da Nintendo que apareceram em sua transmissão usaram a fita colorida

Quase todos os funcionários da Nintendo que apareceram em sua transmissão usaram a fita colorida

 

De todas as companhias, a Sony foi a única a mencionar em seu discurso a comunidade LGBT. Antes de começar sua conferência, Shawn Layden, executivo da Sony, disse: “Um evento horrível como esse, provocado por um lunático, revela a necessidade de termos amor, tolerância e respeito às pessoas de todos os tipos. Em nome da comunidade PlayStation, nossos pensamentos estão com as vítimas, famílias e comunidade de Orlando. Estamos ao lado deles, e esperamos que nesta semana de celebrações dos games, a diversidade da nossa comunidade possa dar conforto e alento. A comunidade PlayStation está ao lado dos nossos amigos, fãs, e da comunidade LGBT.”

O posicionamento destas companhias em um evento da magnitude da E3, com suas conferências acompanhadas online por milhões de pessoas no mundo todo, e suas mensagens de paz e igualdade, não é apenas um ato admirável, mas necessário, considerando a intolerância e o machismo que existe dentro do próprio meio de games — o mesmo tipo de preconceito que levou Omar Saddiqui Mateen a abrir fogo contra dezenas de homossexuais na Pulse.

Mas quando as cortinas se abrem, o excesso de violência e a representação de guerras, quase sempre relacionadas a heróis e vilões hipermasculinizados, não produzem um efeito inverso? Quando Kratos, representação máxima da fantasia de poder masculina nos videogames, ensina seu filho a não pedir desculpas ao cometer um erro, e sim apenas “ser melhor”; quando o incentiva a abdicar de seus sentimentos ao não ser capaz de degolar um animal vivo, não estamos exatamente desconstruindo valores patriarcais — ao menos, julgando por esses únicos momentos de God of War apresentados na conferência.

Ou quando Eiji Aonuma, produtor de The Legend of Zelda: Breath of the Wild, faz rodeios ao tentar responder por que Link não poderia ser uma garota.

A tentativa das gigantes dos videogames em mostrar representatividade e ampliar vozes tem sido cada vez mais evidente, como é visto no vídeo de introdução do Project Scorpio, da Microsoft, que conta com a participação de mulheres. Mas é preciso que os jogos também reflitam essas mudanças para que, como aspirado por Geoff Keighley, em seu discurso, a nossa indústria possa contribuir na transformação da sociedade.