The Last of Us Part II é mais rico em personagens, mundo e mecânicas, mas fraco ao tentar dizer alguma coisa - Análise

Olho por olho e o mundo acabará cego. A citação, atribuída a uma série de figuras mas sem autenticidade certa, é uma maneira de resumir o tema que é pilar central ao que é contado em The Last of Us Part II. Ele é sobre o desejo de vingança e sobre as consequências imprevisíveis que surgem quando um ato dessa natureza é executado. E ele é sobre como quem é consumido por esse desejo acaba matando uma parte de si também.

A história começa alguns anos após o final do primeiro The Last of Us. Ellie, mais velha, vive em Jackson e é membro ativo da comunidade que prospera ali. Joel, um pouco mais grisalho, também está por lá e o que podemos ver do local beira o idílico dado o estado do mundo que presenciamos na jornada do jogo anterior. Não só há vida como há lampejos que mostram que há possibilidades para o futuro também. Os personagens não estão só sobrevivendo, mas vivendo de fato. Mesmo no breve momento em que víamos Jackson no jogo de antes, The Last of Us não se livrava da ideia de que caso alicerces da sociedade desabassem nós mesmos seríamos a pior ameaça para nossa espécie, destruindo uns aos outros por migalhas. É um alívio ver a continuação ser aberta com algo que vá em outra direção e que mostre a existência da complexidade de aspectos da vida em sociedade. A Jackson das primeiras horas do jogo é um farol importante que serve como contraponto a tudo que é visto na campanha depois dali.

Essa jornada tem como motor a vingança. Algo ocorre e Ellie parte em viagem com o intuito de acabar com todos que estiveram envolvidos nesse evento, o que a leva até Seattle que é o palco principal do jogo e em contato direto com duas diferentes facções. Uma delas é a WLF, ou Wolves, cuja organização é como de uma milícia, e a outra são os Scars, unidos por uma crença religiosa.

O nome dessas facções e o traço que as define pode soar como um detalhe, mas é parte importante da base sobre a qual The Last of Us Part II está. O primeiro jogo era todo sobre o desenvolvimento do relacionamento entre Joel e Ellie, começando com a distância que há entre os dois e eventualmente chegando à aproximação, até à cena que conclui tudo. Porém o estado do mundo, a existência de outras pessoas e das suas próprias barreiras era algo menor do que secundário. Existem histórias contadas através do ambiente, documentos que narram momentos individuais, mas isso são apenas pinceladas, cor adicionada ao quadro para quem queria observar algumas partes mais de perto. O mundo em si é um esboço e o estado dele - fora o fato da humanidade ter sido praticamente aniquilada por conta de um fungo - deixado de lado. Era um pouco cômico que se a humanidade não estava extinta, ela com certeza estava um pouco mais próxima disso depois de Joel deixar dezenas e dezenas de cadáveres no seu encalço, mas ainda assim compreensível. Os inimigos eram barreiras mecânicas, o desafio na jornada. Não há nada ali que gere empatia por eles.

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Porém essa é a tentativa da parte 2. A vingança é explorada como uma corrente eterna de ações e consequências, cujo peso aparece quando notamos que para cada ato desses executado, cria-se uma nova figura que passa a querer se vingar também. As motivações de Ellie não poderiam ser mais claras, mas o esforço principal da narrativa está em construir os outros lados, outras sociedades e outros personagens que se sentem tão feridos e destituídos de algo importante quanto Ellie. Isso não é um feito fácil, dado que a relação do jogador com a protagonista teve todo um jogo anterior para ser construída, mas a Naughty Dog no geral tem sucesso. Foi surpreendente perceber que no decorrer da campanha Ellie tinha se tornado provavelmente a figura pela qual eu menos tinha simpatia.

Mas há um problema difícil de ser superado com isso. Vingança é algo míope e, como toda e qualquer outra história que aborde o tema inevitavelmente conclui, ela torna mais vazia a pessoa que leva isso a cabo. Ellie é uma personagem menos interessante aqui por conta disso, porém as consequências da escolha temática afetam a trama como um todo. Há surpresas e choques na história, especialmente na primeira metade, mas passado esse ponto o curso seguido é um pouco óbvio.

A estrutura lembra um pouco a de Westerns depois que os clichês do gênero foram desconstruídos em obras como Os Imperdoáveis (1992) ou A Proposta (2005), sobre a inevitabilidade do conflito entre partes que têm muito mais em comum do que qualquer uma delas jamais admitiria. Entretanto, tanto por conta do formato do jogo, de corredores lineares intercalado por arenas, quanto por sua duração e estrutura, que é como um todo mais sobre objetivos imediatos, a tensão necessária para esse tipo de narrativa é dissipada horas antes da colisão entre as diferentes partes finalmente acontecer.

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O que acaba por fazer o jogo funcionar é o momento a momento que compõe o todo. Desde Uncharted 2 que a Naughty Dog não acerta tão bem no ritmo de um dos seus trabalhos, intercalando entre o silêncio muito bem utilizado, cenas de ação mais intensas com algumas delas mais roteirizadas, arenas de combate e cenários detalhados e bonitos, mas cujos segmentos não se estendem por mais tempo do que deveriam.

São em trechos como esses que os novos personagens secundários aparecem e se desenvolvem. Dina, namorada de Ellie, é o destaque e é palpável seu esforço em tentar equilibrar o apoio e companheirismo que sabe que Ellie precisa, ao mesmo tempo que não esconde a incerteza sobre o que estão fazendo ali. Esse mesmo cuidado é tido com os lados que se opõe à protagonista, que têm um tempo de exposição considerável.

Por mais que você entre no jogo apenas com Ellie em mente, outras partes ganham progressivamente igual importância e isso é tudo acompanhado de ótimas atuações, sóbrias e verossímeis. Há espaço para leveza e bastante humor que, por conta da naturalidade do texto, me fez várias vezes dar risadas mesmo estando em meio a tantos eventos sombrios.

Ele é também um título mecanicamente superior ao seu predecessor. O ato de poder se arrastar pelo chão abre um campo de possibilidades nos momentos de furtividade e combate. Há mais rotas viáveis, há mais esconderijos e locais com grama alta provocam uma troca de papéis, em que de caçada nos tornamos caçadoras. Ajuda também que o desafio foi consideravelmente reduzido na dificuldade padrão, então as chances de quaisquer encontros serem barreiras é quase nula, além do fato de que não há escassez de itens, recursos são dados a torto e direito. Mesmo os quebra-cabeças ambientais, algo que a Naughty Dog nunca fez muito bem, são mais tranquilos por não serem obstáculo. Aparentemente o estúdio gostou muito da ideia de vidros quebráveis, então a esmagadora maioria deles é resolvida encontrando uma janela para ser quebrada e que dá acesso a uma sala por uma nova rota.

Eu apreciei como o jogo sabe também a hora de dizer tchau a certas situações e localidades, encerrando-as na hora certa. Mesmo se tratando de um título mais longo - pouco menos de 30 horas na minha experiência - em nenhum momento ele foi cansativo. Há uma tentativa de trazer variedade através dos objetos e pequenos detalhes nos ambientes, como entrar em um apartamento e notar que uma sessão de RPG estava em andamento, que tornam o ato de navegar do ponto A ao B mais prazeroso. O jogo não parece confiar que isso seja o suficiente para contar algo e há uma quantidade que beira o absurdo de bilhetes similares de pessoas dando adeus à vida, cuja efetividade em demonstrar o peso e violência do mundo desaparecem muito rápido por conta da frequência.

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Também é merecedor de elogios os segmentos mais roteirizados, uma característica bem forte em trabalhos da Naughty Dog, em especial na série Uncharted. A quantidade de momentos como esse é menor aqui, porém cada um deles é mais único e devem ser as parte que mais perdurarão na memória. Há em especial um uso incrível de luzes e sombras em alguns deles para diferentes efeitos, às vezes propositadamente dando pouca informação visual ao jogador e criando subitamente cenários de terror sufocantes.

Há muita coisa para ser apreciada nas partes individuais de The Last of Us Part II, de bonitas e singelas (em especial uma cena opcional em que Ellie toca violão) a aterrorizantes e grotescas. É como um todo um jogo bastante bom. Ele infelizmente tropeça quando tenta amarrar tudo e dar significado  maior ao seu tema. O desejo pela vingança é bem construído, a ideia de que há sempre um outro lado na vingança também. Porém quando chega hora do jogo dizer algo com isso ele não encontra voz, só a ausência da mesma e não de modo proposital para representar a destruição que esse sentimento causa nos personagens.

Ele às vezes parece que abordará questões que são próximas, como qual o significado de justiça nesse mundo e como ela pode ser deturpada por indivíduos para se tornar uma forma de vingança também. No entanto, isso acaba não sendo explorado e a direção seguida é uma que se torna óbvia horas e horas antes do fim, e se atém ao esperado quanto mais a história se aproxima do final.

Toda a conclusão ainda é bonita em termos de estética, por sua direção, pelas atuações, por conta dos personagens e há o uso de um simbolismo de maneira excelente, que provavelmente pegará muitas pessoas em cheio. Mas ele não consegue pegar esse apanhado de ideias e demonstrar algo que vá para além do que ele já dizia nas primeiras horas. Às vezes há a ilusão de que há profundidade no que ele está dizendo por conta de quão bem outros aspectos do jogo são construídos, mas, ao olhar em retrospectiva, o que ele tem a contar essencialmente para no mesmo lugar em que ele começou.

Olho por olho e o mundo acabará cego.