Drag queen Amanda Sparks enfrenta a intolerância em seu novo jogo, Shade Forest

Foi no meio da pista da Blue Space, uma das baladas gays mais tradicionais de São Paulo, que ela veio ansiosa para me mostrar seu novo jogo. A drag queen Amanda Sparks logo mais faria sua própria performance no palco da casa, o mesmo em que drags celebradas como Sharon NeedlesAdore Delano e Willam Belli se apresentaram. Naquele momento, porém, era seu lado game designer que se destacava: eu estava prestes a fazer um dos primeiros playtests de seu novo jogo, ali mesmo. Abriu Amanda Sparks and the Shade Forest e me entregou seu smartphone. E lá estava eu, pertinentemente jogando um jogo feito por uma drag queen na pista de uma balada gay.

Quatro meses depois, na última segunda-feira (2), Amanda Sparks, criação de José Henrique Oliveira, anunciou o lançamento de seu novo jogo para Android. No título de plataforma com elementos de roguelike, a drag queen precisa adentrar a “floresta do shade”, expressão que foi popularizada pelo programa de TV RuPaul’s Drag Race, que significa algo como “lançar um insulto”.

A plaquinha pendurada na entrada da floresta, com frases como “Deus criou Adão e Eva, não Adão e Ivo” dá uma pista de quem são os vilões: Bully Bull, um touro violento, Bigot Pig, o porco intolerante, que lança contra Amanda páginas de um certo livro, dentre outros. “São representações caricatas dos opressores da causa LGBT”, diz Amanda. “Enquanto avança pela floresta, ela precisa salvar criaturas que estão sob influência dos vilões, mandando beijinhos ou distribuindo tapas, no estilo ‘snap out of it, gurl!’.”

Não é apenas uma coincidência que algumas criaturas do jogo lembrem os inimigos de Mônica no Castelo do Dragão, uma referência assumida de Amanda. Alguns dos desafios de plataforma também envolvem balançar em um cipó e pular troncos rolantes, tal qual Pitfall!, do Atari. Quando a barra de energia de Amanda acaba (representada por maquiagem), ela é “desmontada”: botas, peruca, brincos e acessórios voam para todos os lados, revelando o rapaz por trás da personagem. “Não é que os inimigos queiram descaracterizá-la, é algo que acaba acontecendo, principalmente quando ela cai na água”, explica. “É tipo quando alguém toca no rosto de uma drag queen na boate. Faça qualquer coisa mas nunca toque o rosto de uma drag queen!” Fica a dica.

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Ao ser derrotada, Amanda volta para o (Interior Illusions?) lounge, onde o jogador pode comprar, com o dinheiro coletado durante a fase, coisas indispensáveis para uma drag, como maquiagem e fita adesiva, e melhorar suas qualidades ofensivas e defensivas. E considerando o nível de dificuldade elevado, você voltará diversas vezes para o “QG” da Amanda, em busca de melhorias e itens especiais.

Desde Flappy Drag Queen, que surgiu como uma piada com o jogo Flappy Bird e acabou sendo lançado gratuitamente no Android, Amanda vem criando jogos com seu selo Amandapps. Contudo, ela classifica Shade Forest como sua primeira investida “séria” no mercado de jogos mobile.

O projeto foi criado para o curso de pós-graduação em produção e desenvolvimento de games do Senac. “Fiz o jogo sozinho: animação, design, programação, tudo. Só as músicas que foram feitas pelo Fábio Cardoso, que assina como Positronic.”

Amanda Sparks

Amanda Sparks

Ironicamente, Shade Forest nasceu de uma reprovação. Henrique não conseguiu começar seu projeto em 2014, e acabou atrasando a conclusão do curso. “Eu também só me dei bem porque já tinha uma certa bagagem em desenvolvimento”, assume o game designer, que começou sua carreira na Insolita Studios como Level Designer de Cave Days, ao lado do pixel artist e animador Glauber Kotaki.

A reprovação no ano passado não impediu Henrique de entregar, agora, um dos projetos mais elogiados já desenvolvidos em seu curso. “Como a minha turma já tinha se formado quando comecei a fazer esse jogo, não tiveram muito contato com ele, mas acompanharam o desenvolvimento no Facebook e parecem ter gostado bastante. O jogo também foi muito bem recebido pelos professores, que elogiaram a escolha do tema e as mecânicas do jogo, dizendo que foi, de longe, um dos jogos mais bem acabados a ser apresentado como TCC no curso.” Henrique acredita que sua nota tenha sido um 9, “pois dei umas deslizadas na hora de elaborar o plano de negócios.”

Atualmente ele trabalha como motion designer em uma agência em São Paulo, mas sua vontade é passar a desenvolver jogos em período integral. Apesar de também fazer shows como Amanda Sparks, diz que prefere atuar na noite como DJ. “Por enquanto estou ganhando mais dinheiro e reconhecimento como drag, mas espero que o jogo vire, não é mesmo queridinha?”

Amanda Sparks and the Shade Forest chega ao Android no dia 17 de novembro, seguido da versão para iOS nas semanas seguintes e, possivelmente, Steam, em 2016. Uma versão demo já está disponível no Google Play.

Foto de capa: Victor Vivacqua