Afinal, o que aconteceu com o jogo brasileiro The Light of the Darkness?

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Se você acompanha videogames há algum tempo, talvez o nome The Light of the Darkness (ou A Luz da Escuridão, em português) lhe desperte alguma lembrança. O projeto encabeçado pelo carioca Fernando Rabello, iniciado em 2009, ganhou destaque em sites brasileiros e internacionais por sua série de conquistas: além de ter recebido um patrocínio da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, obteve em 2011 sucesso em sua campanha no Kickstarter, antes mesmo da plataforma de financiamento se tornar popular entre desenvolvedores de jogos. Misturando elementos de ação 2D e RPG, o jogo vinha sendo considerando um dos mais ambiciosos em desenvolvimento no Brasil. Quase sete anos depois, ele parece ter caído no esquecimento, sem nunca ter sido lançado. O que aconteceu, afinal?

Procurei Rabello, que me explicou detalhadamente as razões pelo infindável desenvolvimento de seu jogo. Segundo o designer, The Light of the Darkness continua em produção e, inclusive, tem sido uma de suas principais atividades desde o sucesso de sua campanha no Kickstarter. “De lá até aqui foram mais de 5 mil horas de trabalho só neste projeto, sem contar atividades de colaboradores e parceiros”, diz. Atualmente, The Light of the Darkness encontra-se 85% completo, carecendo da montagem dos níveis finais, inimigos adicionais, chefes de área, efeitos sonoros, algumas features de gameplay e cutscenes.

The Light of the Darkness é um Metroidvania com uma forte carga de narrativa, baseado num universo mitológico próprio. O jogador pode planar, usar armas e feitiços com diferentes tipos de dano, os quais interagem de maneiras distintas com os cenários e inimigos. Rabello o descreve como “um jogo inspirado em clássicos antigos como Castlevania, mas com elementos de jogos modernos como Dark Souls”.

Rabello assume uma parte da culpa para o desenvolvimento arrastado: “Num primeiro nível, deveu-se à minha inabilidade de conseguir recursos financeiros significativos para desenvolver o projeto com um número de desenvolvedores satisfatório”, explica. Inicialmente, Rabello recebeu o aporte de R$ 45 mil da Secretaria da Cultura do Rio de Janeiro e, posteriormente, US$ 22 mil em doações no Kickstarter (que, segundo ele, acabaram sendo revertidos em cerca de R$ 20 mil líquidos, em 2011). “Também, na dificuldade de concretizar parcerias com profissionais dispostos a investir um tempo de trabalho considerável no projeto, uma vez que os recursos eram escassos.”

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A insistência do designer em modificar o escopo do jogo, adicionar elementos e mudar a engine também prolongaram substancialmente o desenvolvimento de The Light of the Darkness — as mesmas razões que tornaram Duke Nukem Forever uma lenda do vaporware. Ao lado de Distortions, ele é provavelmente o jogo brasileiro com o desenvolvimento mais longo da história.

A parceria com uma escola de desenvolvimento de jogos do Rio de Janeiro em 2011 acabou se tornando um pesadelo para Rabello. “A empresa com quem eu desenvolvia, a Virtue Studio, acabou se desfazendo e um professor da escola Seven Game veio me oferecer apoio”, conta. “Na época foi oferecido o alocamento fixo de três profissionais de programação (a serem remunerados com os recursos do Kickstarter) e a colaboração de alunos da escola, assim como o uso do espaço interno e maquinário. Na realidade eu fui descobrir depois que as pessoas alocadas no projeto não tinham experiência alguma. Eram ainda alunos da escola, recém contratados como professores. Os recursos do Kickstarter foram quase todos gastos com esses ‘profissionais’ da Seven e depois de meses, nenhuma etapa prevista foi satisfatoriamente concluída e o código produzido por eles era terrível.”

A insatisfação de Rabello com o trabalho realizado pela Seven gerou um atrito com a equipe de programadores da escola, que chegaram a esconder ofensas a ele nos códigos do jogo.

“A coordenação do curso da escola me chamou para que a situação fosse resolvida definitivamente, mas devido sua rotatividade enorme, o que era combinado era rapidamente esquecido com as mudanças seguintes, e então ficou claro para mim que não havia solução, senão terminar a parceria”, desabafa Rabello. Pouco tempo depois, a Seven Game também foi fechada.

A insatisfação de Rabello (…) gerou um atrito com a equipe de programadores da escola, que chegaram a esconder ofensas a ele nos códigos do jogo

“Eu acredito que muitas pessoas que passaram pela Seven não vão se surpreender com essas afirmações e devem ter tido experiências bem similares nos períodos em que estudaram lá. Para mim, a proposta da Seven me deu segurança de que o projeto seria bem encaminhado e finalizado. Infelizmente nada saiu como o esperado. Depois disso eu fiquei sem recursos para contratar outros profissionais e o desenvolvimento continuou praticamente apenas com colaborações, comigo desenvolvendo a maioria das etapas quase que sozinho.”

O envolvimento da Seven na produção acabou acarretando em prejuízos para Rabello, que precisou assumir a programação do jogo e refazer boa parte do trabalho que já havia sido pago. Esta, contudo, não seria a única pedra em seu sapato.

Em 2015, uma empresa chinesa lançou um MMO chamado Light of Darkness (sem o artigo definido “the”), causando, desde então, confusão entre os títulos. “No Brasil, inclusive, eles já usaram nosso logotipo efetivamente. É muito difícil obter informação de quem vende o jogo aqui”, reclama. “Lá fora já houve casos de usuários querendo nos reportar no Kickstarter alegando que o nosso jogo era um malware, sendo que se tratava desse outro jogo”. Mesmo que tenha provas da autenticidade de sua marca, Rabello não sabe se deve dar abertura a um processo jurídico, devido aos custos com advogados. Assim, ele acredita que a questão ainda possa impactar de alguma forma o lançamento de The Light of the Darkness.

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Apesar do projeto estar se aproximando de sua conclusão, ainda não há um prazo para seu lançamento. Os próximos objetivos da Quartomundo, estúdio que ele formou no decorrer do desenvolvimento do jogo, é levar The Light of the Darkness no BIG, maior festival independente de jogos da América Latina, que acontece em julho, em São Paulo, onde a equipe pretende buscar por um investidor capaz de financiar o término do desenvolvimento. “Com o financiamento, o projeto deve levar em torno de quatro meses; sem ele, mais um ano”, explica Rabello.

Rabello não tem medo de assumir os erros que levaram The Light of the Darkness a tomar uma parte considerável da sua vida adulta. “As mudanças no escopo do projeto eu não me arrependo. Acho que realmente foram importantes e o tempo total gasto até aqui não é abissal. É um projeto de em torno de 7 mil horas de trabalho. Fazendo uma conta simples, isso com uma equipe de sete pessoas corresponde a mil horas para cada um, o que representa oito meses de trabalho para essa equipe. Não é realmente um projeto muito caro e faraônico. Mas para uma única pessoa, é algo enorme.”

“O que eu me arrependo foi não ter migrado o projeto para a engine Unity na época do Kickstarter. Isso teria permitido encontrar programadores muito mais facilmente. Teria facilitado bastante o desenvolvimento. Eu fui resistente. Foi um erro.”

O envolvimento com a Seven Game também é algo do qual Rabello lamenta, principalmente por ter ignorado os sinais de que a parceria poderia prejudicá-lo. “Mas no contexto geral, a gente só aprende errando. Se eu tivesse começado hoje eu teria me saído bem melhor. Mas para isso eu teria que ter a bagagem que eu tenho hoje.”

“A verdade é que ninguém vai a lugar algum sozinho. Então por isso a gente deve sempre buscar trazer as pessoas certas ou ir até elas. É isso que eu continuo tentando fazer.”

Quando finalmente ficar pronto, The Light of the Darkness deverá receber versões para PCMaciOS e Android.

Procuramos os responsáveis pela Seven Game, mas ninguém retornou nosso contato para comentar a matéria.