Análise - Devil May Cry 5
Devil May Cry 5 mantém Devil May Cry 2 como a única, solitária e terrível exceção a uma série que de outra forma pende para o excelente. Ele aprende com os erros de Devil May Cry 4 e foca-se inteiramente no combate, deixando desafios relacionados aos estágios, como plataforma e pequenos quebra-cabeças, para trás, expande as mecânicas dos personagens Nero e Dante, e introduz V que, apesar de não ser tão divertido quanto os outros dois protagonistas, é uma boa distração.
A história começa in medias res, com Dante já batalhando um novo e poderoso demônio que habita o topo de uma estranha árvore que cresceu no meio de uma cidade, e Nero correndo em direção ao conflito acompanhado da misteriosa figura V, um jovem que anda de bengala e gosta de declamar poesia nas horas mais inoportunas. O conflito sai de controle, as coisas não ocorrem como esperado e a aventura salta para algumas semanas depois, porém retornando ocasionalmente a tempos diferentes para nos mostrar como tudo foi desencadeado e o que outros personagens estavam fazendo a cada momento.
Na maioria das fases é predeterminado qual dos heróis será utilizado e em algumas delas há a possibilidade de escolhermos um dos três. De maneira geral, no entanto, a primeira metade da campanha tem uma presença maior de Nero, a segunda de Dante, e V aparece para dar uma variada no ritmo, só sendo obrigatório em quatro estágios e nunca mais precisando ser utilizado se o jogador não optar por ele.
Por motivos da trama, Nero perdeu seu braço demoníaco, tendo no lugar dele uma série de próteses mecânicas construídas por Nico, uma nova personagem que é neta da responsável por criar Ebony e Ivory, as pistolas de Dante. Nero já era um personagem versátil e divertido em Devil May Cry 4 e isso permanece sendo verdade aqui. Apesar de não ter mais seu braço anterior, cada um dos novos membros mecânicos tem um uso diferente. Dependendo de qual estiver acoplado pode-se conjurar uma rajada elétrica, fazer seu punho sair voando como um foguete, usá-lo para dar chicotadas etc. A quantidade de possibilidades logo no início da campanha é alta e isso só aumenta quanto mais se progride nela, e em um primeiro momento isso é um pouco confuso. No começo me senti perdido sobre o que cada braço fazia, ainda mais devido a intensidade da ação e o desejo de nunca parar de acertar inimigos para conseguir notas maiores (como sempre, o jogo avalia a performance em todo combate). No entanto, depois de testá-los um pouco não demorou para me acostumar e começar a brincar com todos eles.
Os braços podem ser comprados entre as fases ou quando Nico é encontrada, mas também podem simplesmente ser coletados pelo chão dos estágios. Há um limite de quantos deles podem ser carregados, que pode ser aumentado, e isso é algo valioso por conta da natureza descartável deles. O que acontece é que, além de ser possível explodi-los por conta própria, o que evita que alguns ataques acertem Nero, se o personagem for atingido quando está usando a habilidade da prótese ela será perdida. Além disso, o poder de cada uma delas pode ser carregado para um ataque mais forte, mas isso também destrói o membro em seguida. Especialmente em lutas contra chefes, foi comum começar com três ou quatro braços diferentes e terminar com apenas um deles, com os outros perdidos por acidente ou uso.
Pode parecer estranho a ideia de se perder alguns ataques dependendo do que se faz, porém essa característica dá um frescor aos segmentos de Nero, por nunca ser muito certo o que você vai encontrar e o que você vai poder usar. Claro, é possível comprar certos modelos de antemão, equipar o que se quer e nunca ser atingido, garantindo que um braço específico está sempre disponível. Meu nível de habilidade no jogo não é alto o suficiente para isso, então eu me vi constantemente tendo de me adaptar ao que tinha naquele momento, essa imprevisibilidade funciona de maneira muito positiva
Dentre os vários apetrechos presentes, destacaria o Buster Arm que funciona no geral como o braço demoníaco de Devil May Cry 4, agarrando alguns inimigos e ativando animações diferentes para cada um deles, e o Tomboy, que é o mais divertido de todos. Ele intensifica e altera todos os ataques normais de Nero, fazendo-o voar por todo canto. Às vezes é difícil de controlar, mas, se bem manejado, inimigos mal conseguem reagir. Algumas das notas SSS mais fáceis que obtive foram por conta dele. Independente de qual esteja disponível, tirando um ou outro, as próteses oferecem mais maneiras de ser legal lutar contra demônios.
Dante segue o esquema também de Devil May Cry 4, em que ele pode alternar entre os estilos Swordmaster, Trickster, Gunslinger e Royal Guard a qualquer momento com o toque de um botão. Esses estilos permitem que ele use movimentos adicionais, como uma esquivas no Trickster, e vários novos golpes com seus armamentos corpo a corpo no Swordmaster. Como é praxe, ele adquire novas armas na jornada, sendo a Cavaliere em especial muito prazerosa de ser usada. O apetrecho é uma moto que vira duas serras, cujos ataques provocam dano constante e o jogador que decide quando os golpes são interrompidos para dar continuidade ao combo. Com timing bom, o dano causado pode ser muito prolongado desde que Dante não seja atingido. A Cavaliere controla multidões de maneira absurda, impede ataques até de inimigos maiores e faz a nota SSS pipocar na tela com você mal tendo que se esforçar. Como os ataques são mais lentos ela não funciona para todas as situações, mas todas as armas, seja de corpo a corpo ou de longa distância, podem ser trocadas a qualquer momento, sem limite sobre quantas podem ser carregadas, então existe como usar armamentos mais propícios para colocar oponentes em uma boa posição e prendê-los em seguida com a Cavaliere.
Uma outra arma, um nunchaku que se transforma em um bastão, tem a característica de ser possivelmente a que melhor explora o estilo Swordmaster. Não que ele seja não seja útil nos outros armamentos, mas esse equipamento em questão realmente mostra a que veio quando os ataques adicionais estão disponíveis, pois só assim ele adquire outra forma. É válido ressaltar que Dante ganha uma nova habilidade bem legal, relacionada ao Devil Trigger – uma barra de especial que permite que ele use seus poderes demoníacos – quando ele chega em certo ponto da aventura. Nero, por sua vez, também muda consideravelmente, porém nele essas mudanças só passam a estar sempre disponíveis em uma segunda vez atravessando a campanha e ambas as novidades são relacionadas à história, então acho melhor que os interessados vejam por conta própria do que isso se trata.
Finalmente, temos V, o personagem mais diferente de todos, pois ele participa dos combates diretamente. Em vez disso, ele lança seus lacaios Shadow, Griffon e Nightmare, seres bastante familiares para quem jogou o primeiro Devil May Cry, com um deles tendo ataques corpo a corpo, um de longa distância, e um que aparece enquanto o Devil Trigger está ativado. Depois que a vida de um inimigo é esvaziada, V precisa finalizá-los.
O novato é um tanto complicado. Deixando de lado o visual emo da era Orkut e as tatuagens dolorosas de sem graça, a figura é interessante de ser usada ao mesmo tempo que aprecio que o tempo com ele seja menor. Eu gosto dele pelo fato de ser uma quebra de ritmo, de ser algo diferente ocasionalmente, mas não gostaria de um jogo inteiro com V. Nos primeiros momentos controlando-o, ocorre com frequência de não se ter noção exatamente da posição em que ele deve estar para que seus familiares alcancem oponentes, ou de ser estranho prestar atenção em tudo que ocorre na tela. Também complica que, tal qual com Nero e Dante, atacar segurando a alavanca para frente ou para trás, ou fazendo uma combinação desses movimentos, ativa golpes diferentes. Só que, como esses ataques não estão saindo de V em si, há uma sensação de ausência de feedback. Porém, assim como com os braços de Nero, é uma questão de costume e, depois de compreendido, é possível criar combinações boas, ativando combos de Shadow, por exemplo, enquanto Griffon solta bolas de energia que disparam raios. Eu seria omisso se não ressaltasse que ele tem um botão dedicado a declamar William Blake – provavelmente da pior forma que Augúrios de Inocência já foi lido em voz alta -, que recupera sua barra de Devil Trigger. É o tipo de coisa que não dá para saber o quão a sério o jogo está levando, mas causa riso por ser o ridículo maravilhoso que só Devil May Cry pode oferecer.
O que acontece é que os trechos de V são consideravelmente mais fáceis e, às vezes, um pouco tediosos. Depois dessa curva de aprendizado, pelo menos nas dificuldades Devil Hunter (a mais elevada que está aberta de cara) e a posterior, Son of Sparda, passar dos trechos de V vira uma trivialidade e uma na qual eu sentia volta e meia não ser um participante de verdade. Isso fica ainda mais evidente quando Nightmare é invocado e a nota SSS é alcançada quase automaticamente, sem que você esteja atuando para isso de qualquer forma. Mecanicamente, eu não desgosto de V e, apesar dos chefes enfrentados com ele serem os mais fracos, eles ainda são legais. No entanto, sempre que a escolha me era dada eu selecionava um dos outros dois personagens.
Além de serem diferentes e bons a sua própria maneira de serem controlados, Devil May Cry 5 toma a sábia decisão de cortar as firulas que volta e meia apareciam nos estágios dos jogos anteriores. Não existem itens para ser carregados de um canto para o outro, um dado ou um pião que precisam ser golpeados para se passar de segmento, desafios de plataforma ou qualquer coisa do tipo. O jogo não enrola e preenche o mundo com arenas de combate, só interrompendo-as para cutscenes.
E isso é uma coisa boa. Essas outras distrações nunca funcionaram muito bem e mais comumente só impediam que os confrontos fossem mais livres. E esses confrontos são que fazem Devil May Cry ser o que ele é. Eles existem aqui de forma primorosa, com uma variedade de inimigos muito boa que cresce quanto mais fases são terminadas, volta e meia aparecendo em combinações que te fazem ficar na ponta dos pés e se reposicionando constantemente para não ser golpeado pelas costas. É comum aparecer algum demônio que por si só é simples de ser derrotado, mas que mostra o quão perigoso pode ser quando surge ao lado de outras monstruosidades, cujas habilidades se complementam. Não é a maneira mais profunda de expressar esse sentimento, mas o que perdura de cabo a cabo é que as lutas são simplesmente muito legais, é puramente muito prazeroso usar de todos os golpes e combos disponíveis para destruir seja lá que aberração aparece no caminho e perceber a música ficando mais cheia quanto mais a nota aumenta, eventualmente chegando no cobiçado SSS.
Apesar de tudo ser mais direto, existem missões secretas pelas fases que têm como recompensa fragmentos de orbes que aumentam o total da vida, além desses itens e similares estarem escondidos em cantinhos pelos estágios. É bem legal procurá-los no começo, mas infelizmente da metade em diante as fases são largamente corredores genéricos muito parecidos entre si. Tudo bem que o combate evita qualquer tédio e os chefes são muito bons, mas é decepcionante que a variedade vista no início, em especial nos trechos da cidade destruída, sumam completamente.
Devil Hunter, a maior dificuldade quando o jogo é ligado, é mais ou menos equivalente à dificuldade padrão de DmC: Devil May Cry, o que significa que em comparação ao outros Devil May Cry ela é um tanto fácil. Com exceção do último chefe, que me deu um bocado de trabalho, a maioria dos outros foi tranquilo de derrotar de primeira e os inimigos normais nunca foram uma ameaça. Isso não é algo negativo, já que faz com que o jogo seja acessível para quem não tem nenhuma experiência com a franquia. Entretanto, não seria ruim se uma dificuldade mais elevada já estivesse aberta desde o começo, uma vez que no Devil Hunter é possível chegar ao fim sem ser preciso usar e compreender a fundo algumas das mecânicas, como os ataques carregados dos braços de Nero. Ainda assim, como ocorreu em entradas anteriores, o padrão de inimigos nesses novos níveis de dificuldade é diferente e todo misturado logo de cara, então a experiência acaba sendo um pouco diferente. E além disso, esse é o tipo de jogo em que você quer ir melhorando aos poucos e enfrentando os desafios maiores.
Não que a história importe muito em um título cujo foco é na ação, mas a trama funciona como um bom condutor entre os eventos, e suas idas e vindas temporais cria um certo suspense. As reviravoltas são mais do que óbvias e telegrafadas até dizer chega e, mais uma vez, Trish e Lady, duas personagens bem legais, são chutadas a escanteio, usadas só como donzelas em perigo. Dito isso, o tom escrachado e as cenas exageradas, que são marca registrada, estão ótimos. Minha coisa favorita é a aparição de Nico cada vez que atendemos a um telefone pelo cenário, pois ela chega de maneira acelerada e cada vez mais absurda com seu furgão. É ridículo e eu adorei.
Com exceção de Devil May Cry 2, que é melhor esquecido, eu não acho que a série tenha alguma entrada que seja ruim. Ela cometeu seus deslizes em alguns momentos, mas o combate em si sempre foi legal. O que Devil May Cry 5 faz é, além de adicionar maior variedade a esse elemento, não só adicionando um personagem, mas aumentando o leque de possibilidades aos já existentes, é cortar tudo que atrapalhava os momentos de confrontos em si. Ele se foca no que importa, que é usarmos de golpes e poderes diferentes para derrotarmos demônios, enquanto nossa nota aumenta e a música se intensifica ao fundo. E isso ele faz com maestria.
Devil May Cry 5
Desenvolvido pela Capcom
Distribuído pela Capcom
Disponível para PC, PlayStation 4 e Xbox One
Versão testada: Xbox One X
Lançamento: 8 de março de 2019
A análise foi feita com uma cópia do jogo providenciada pela assessoria de imprensa