Com Ghost of Tsushima, a Sucker Punch se despede do PlayStation 4 com um jogo de mundo aberto cansado e sem graça
A Sucker Punch não estava presente logo no lançamento do PlayStation 4, mas sob muitos aspectos foi o trabalho inicial deles no console que abriu as portas da atual geração. Até então tínhamos tido jogos com características técnicas que até impressionaram um pouco naquele momento, como Killzone: Shadowfall ou Ryse: Son of Rome, mas o brilho deles não durou muito. Chegando ao mercado cerca de cinco meses após o lançamento dos atuais aparelhos da Sony e da Microsoft, foi Infamous Second Son que mostrou ao que a (na ocasião) nova geração veio. O terceiro inFamous era um pouco repetitivo e em retrospectiva as atividades disponíveis não eram muito criativas. Mas para aquele momento bastavam, pois era fácil ignorar problemas diante do choque de vermos um mundo aberto com aqueles detalhes e aquela beleza. Ele trazia frescor.
Seis anos depois é justamente a Sucker Punch que encerrará o PlayStation 4, ao menos quando estamos falando de grandes jogos vindos de estúdios que fazem parte da Sony. Ghost of Tsushima é tal título e, mesmo após tanto tempo, o que fica evidente é que as forças e fraquezas do estúdio permanecem as mesmas. Mesmo que tenhamos desde então visto uma quantidade absurda de jogos de mundo aberto, a Sucker Punch é provavelmente rivalizada apenas por Red Dead Redemption 2 quando o assunto é a beleza visual nesses locais vastos e de exploração livre. No entanto, a falta de criatividade e variedade no que você faz nesse mundo é também mais sentida do que nunca. No início da geração, ser bonito era o suficiente, era fácil encarar o copo pela metade como meio cheio. Ao final dela, este não é mais o caso.
Ghost of Tsushima se passa em uma ilha próxima às terras principais do Japão. O lugar foi invadido por exércitos da Mongólia comandados por Khotun Khan e, sem dificuldades, eles derrotam quase todos os samurais presentes e dominam Tsushima. Um dos poucos sobreviventes é Jin Sakai que, após ser salvo por uma ladra e escapar da morte por muito pouco, decide derrotar o inimigo não importa por quais métodos. Isso o leva a usar técnicas e utensílios que o distanciam de seu código de honra samurai, e nisso está o cerne do conflito do jogo. Apesar das forças do Khan não seguirem táticas honrosas, Jin tem dificuldade de desviar do caminho que seguiu por toda sua vida, especialmente diante do afeto que sente pelo seu tio, Shimura, figura paterna e tutor que o ensinou os valores tidos como inerentes a um samurai.
É ao lutar de maneira que nenhum outro samurai luta que a imagem do “Fantasma”, parte do título, surge, e isso aparece não só na história como nas mecânicas também. Jin luta diretamente com sua espada, mas não demora muito para liberar toda uma gama de outros itens que o ajudam no combate, como explosivos, kunais e veneno, além de poder optar por uma abordagem furtiva, eliminando pessoas sem que percebam sua presença ou, como colocado pelo jogo, sem seguir o caminho dos samurais que dita que um inimigo deve ser encarado nos olhos.
Com exceção de algumas missões que pedem que você nunca seja visto, as artimanhas não são obrigatórias. Na verdade, com exceção de explosivos que acabam ou atordoam um grupo de inimigos de uma vez, eu não encontrei muita utilidade nas táticas do “Fantasma”. O combate direto é na maioria das vezes mais efetivo e rápido, em vez de ficar me esgueirando por mato alto ou usando de pequenas entradas para pegar soldados desprevenidos. É quase sempre mais fácil chamar a atenção de todos eles logo e derrotá-los em confronto direto.
Essa decisão é apenas mecânica e não afeta o curso da história que a Sucker Punch quer contar. Não há medidores que digam se Jin está sendo desonroso ou um indicador de moralidade, o jogador é livre para fazer o que quiser sem consequências. Você pode nunca usar nada além da espada em confrontos diretos e ainda assim o mito do Fantasma se espalhará por Tsushima da mesma maneira.
A ilha de Tsushima é um lugar lindo. Seus cenários mudam bastante quando se viaja do extremo sul ao norte, com paisagens que vão de florestas mais densas a montanhas, longas planícies e campos com plantações de arroz, a áreas cobertas de folhas vermelhas ou de neve. A iluminação que permeia o local possui uma artificialidade proposital que a torna dramática e forte, criando cenários que são como pinturas. A luz do sol se pondo dá a tudo um laranja dominador, passando pelo meio dos galhos das árvores e pontuado pelas folhas caindo ou pelo mato dançando com a brisa. Em certos momentos há uma atmosfera quase sobrenatural por conta da luz branca e névoa presentes no amanhecer.
A natureza é uma força presente do início ao fim e é um dos pontos onde mais se nota a inspiração que a equipe teve nos filmes de Akira Kurosawa. Diferentes tipos de matos dançam de maneira rítmica e sempre há algum elemento voando nos arredores de Jin, sejam folhas, flocos de neve, vaga-lumes ou coisa do tipo. Isso é ainda mais forte quando o filtro intitulado “Akira Kurosawa” é ligado, o que deixa tudo preto e branco e aumenta a intensidade de algumas dessas características.
A beleza é técnica, mas sem dúvidas também artística, e as áreas diferentes o suficiente para que o visual nunca caia na mesmice. Gosto também da decisão da interface limpa, existem poucos elementos na tela em qualquer momento. Para se guiar até um ponto marcado no mapa, por exemplo, é preciso seguir o vento, e para desviar de flechas inimigas é preciso ouvir o comando dado por soldados, indicando que estão prestes a disparar.
É bem clara a reverência à obra de Kurosawa e a filmes de samurai como um todo, mas é uma pena que um trabalho tão impecável na direção de arte seja arrastado por uma trama tão fraca e uma estrutura de jogo sem graça. Espalhado por Tsushima estão missões que tornarão Jin mais forte e levarão a trama para frente, e a forma como se isso se dá é a mesma que já vimos inúmeras outras vezes. Com raríssimas exceções, as missões consistem apenas de ir a um ponto predeterminado, cavalgar ao lado de um NPC enquanto ele fala algo, investigar uma área procurando pelos locais em que Jin pode interagir, cavalgar mais um pouco e, eventualmente, superar um pequeno combate.
As missões principais ou os “contos”, que possuem múltiplas partes e são centradas em figuras de maior relevância para a trama, são um tédio. Elas quase sempre têm esse mesmo padrão, demoradas demais e com poucos eventos significativos. Fora isso, tanto a história maior quanto as pertencentes aos coadjuvantes são extremamente sem graça. A impressão é a de que os escritores se mantiveram próximos demais de suas inspirações e, em vez de usá-las como base, apenas recriaram clichês dos mais óbvios possíveis.
O jogo espera que um elo emocional seja criado com os personagens, algo que se torna mais evidente quanto mais se avança na trama, mas ele não chega nem perto de ser capaz de provocar isso. Não há ninguém no elenco que seja insuportável como era Deacon St. John, protagonista de Days Gone, mas também não há ninguém com quem eu tenha me importado minimamente que fosse. E isso não é culpa dos atores (joguei ele inteiro com o áudio em japonês), é culpa da história ruim e básica que não dá espaço para que suas figuras se expressem de qualquer forma por algo que não seja o objetivo imediato. Os personagens dos “contos” em especial são vitrolas quebradas, eles só sabem falar da mesma coisa em todas as suas missões. São figuras unidimensionais , caracterizadas por um único traço que é diluído no decorrer dos suas histórias e se tornam cansativas muito antes do encerramento.
Jin até tem um pouco mais de espaço em algumas atividades secundárias, como quando reflete sobre um acontecimento de sua vida ao descansar em um onsen, mas é muito pouco. Nós até aprendemos sobre seu passado, traumas que ele carrega, falhas que ele acredita serem inerentes a sua pessoa e a dor que ele sente ao notar estar se distanciando do tio, mas quase nada de interessante é feito com esses elementos, é tudo muito enlatado. Uma das consequências é que quando o jogo decide que é hora de demonstrar o quanto que ele escorregou para longe do caminho da honra e aderiu totalmente ao mito do Fantasma, a cena transparece como artificial, forçada e desnecessária.
Pelo menos as atividades opcionais são mais diretas ao ponto e cortam o tédio. Não há história antecedendo Jin chegar em uma base inimiga, uma cidade ocupada, ou em tentar acabar com uma operação madeireira do exército Mongol. Pode-se até mesmo dar início ao conflito chamando-os para um duelo. É bem ao estilo dos filmes que servem de inspiração, com o protagonista mantendo a espada embainhada e o jogador tendo de soltar um botão na hora precisa para cortar os oponentes antes deles nos atingirem. É simples e efetivo.
Atividades desse tipo funcionam porque o combate, quando a câmera não entra no caminho, é bem prazeroso. No começo é um pouco estranho que não haja como travar a mira em nenhum oponente. Isso ocorre porque a ideia é que ele seja fluido, permitindo trocar a qualquer momento qual é o alvo. É um desafio sobre gerenciar os inimigos ao redor, garantir que Jin não fique cercado, eliminar arqueiros que causam dor de cabeça e coisa do tipo. Há também um elemento “pedra, papel ou tesoura” em que os estilos de combate do protagonista são mais efetivos contra certas armas, precisando ser trocado constantemente.
Adicione a isso a mecânica de abrir a guarda de oponentes ao aparar golpes com timing preciso e os utensílios do “Fantasma”, e há uma boa quantidade de elementos a se considerar a todo momento. As lutas não são desafiadoras, então é fácil esquecer da gama de possibilidade (eu toda hora esquecia de comprar novas habilidades ganhas com pontos de experiência, porque nunca é realmente necessário), mas mesmo usando só a espada e esquecendo todo o resto elas ainda são prazerosas. Essa variedade não significa complexidade, então não é como se o combate fosse um pilar que conseguisse sustentar todo o resto do jogo, porém diferente das outras partes ele nunca foi tedioso. O único empecilho é a câmera que precisa de ajuste manual constante e frequentemente é bloqueada por objetos que estão no cenário. Depois de ganhar costume o incômodo é aliviado e, como o desafio é leve, apanhar por não conseguir ver de onde estão vindo os ataques acaba não sendo muito frustrante.
Nem toda atividade secundária envolve o combate. Santuários são desafios de plataforma e outros não possuem sequer desafio, como seguir raposas até pequenos templos. Mas as recompensas são amuletos que oferecem pequenos bônus e eles nunca se fazem necessários, então não demorou para que eu passasse só a ignorar essas tarefas.
Mesmo depois de uma boa quantidade de horas, os cenários ainda me impressionavam pela beleza, mas no fim das contas ser bonito é uma parte muito pequena de um jogo, que não carrega o resto. Mesmo junto do combate, que tem boas ideias, o jogo não escapa da mediocridade e na maior parte do meu tempo com Ghost of Tsushima eu só me via desinteressado por tudo que ocorria nele. Ele é mais do mesmo que já vimos aos montes e, diferente de como as coisas eram quando Second Son saiu, o que não falta são exemplos de jogos de mundo aberto mais inovadores, frescos e interessantes. Não tem quase nada nele que seja terrível, mas também não há nada que se sobressaia para além do básico. Com Second Son a Sucker Punch foi quem de fato deu início ao que enxergamos como nova geração no PlayStation 4 e nos deu uma ideia do que veríamos dali para frente. Com Ghost of Tsushima, ela encerra o console nos entregando um resumo mediano de tudo que experimentamos antes, apenas olhando para trás.
Ghost of Tsushima
Desenvolvido pela Sucker Punch
Distribuído pela Sony
Jogado em um PlayStation 4 base
A cópia do jogo avaliada foi cedida através da assessoria de imprensa da Sony