Como os advergames tornaram a Aquiris um dos maiores estúdios de games do Brasil

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Dos polos da indústria de desenvolvimento de games do Brasil, o Rio Grande do Sul é um dos que mais se destaca, e muito deste reconhecimento nos últimos anos deve-se à Aquiris. Fundada em 2007, hoje a companhia conta com 45 funcionários, um portfolio com mais de 40 jogos e um faturamento anual de aproximadamente R$ 5 milhões, o que a torna uma das maiores desenvolvedoras de jogos do País. Ainda assim é bem provável que ao pensar em jogos gaúchos, você se lembre primeiro do indie e premiado Toren, desenvolvido pela pequena Swordtales desde 2011, quando o estúdio foi fundado.

Da esquerda para a direita: Sandro Manfredini, Rafael Rodrigues e Israel Mendes, da Aquiris

Da esquerda para a direita: Sandro Manfredini, Rafael Rodrigues e Israel Mendes, da Aquiris

A verdade é que advergames sempre fizeram a comunidade de games torcer o nariz, por serem produtos estritamente relacionados à publicidade e criados para promover marcas. E, bem, para a Aquiris eles foram uma faca de dois gumes: se por um lado ajudaram a empresa a se tornar um dos estúdios de games mais bem consolidados do Brasil, levando-os a produzir jogos para companhias como GloboCoca-Cola e Unilever, por outro, eles associaram a empresa ao estigma que a palavra carrega – um do qual a Aquiris está se esforçando para se desvencilhar.

“Às vezes pode parecer que o trabalho não é nosso por se tratar de uma encomenda”, me disse Sandro Manfredini, diretor de negócios da Aquiris e parte da diretoria executiva da Abragames (Associação Brasileira de Desenvolvedores de Jogos Digitais), durante uma conversa. Ao seu lado, estava Israel Mendes, diretor criativo e co-fundador da Aquiris, além de vice-presidente da Associação de Desenvolvedores de Jogos Digitais do Rio Grande do Sul (ADJDRS). “Mas se eu te mostrasse todos os briefings dos projetos, você veria que funciona assim: o cara diz ‘eu quero fazer um game para a Colgate, meu produto é este e minha campanha talvez seja esta’ e o resto a gente tem que desenvolver. Então o pouco de criatividade injetada em todos esses processos até o teste de novas mecânicas, somos nós que propomos.”

Nos últimos anos, com a experiência adquirida com o desenvolvimento de tantos advergames, a Aquiris fechou uma parceria com a Cartoon Network, que resultou na criação de três jogos para browsers e plataformas mobile, lançados tanto no Brasil quanto no exterior: Ben 10: Wrath of PsychobosCopa Toon e A Grande Guerra de Pegadinhas, baseado no desenho Apenas um Show. A qualidade do trabalho da Aquiris fez com que o público passasse a olhar para seus jogos mais como produtos licenciados do que como advergames.

“O contrato que a gente tem com a Cartoon Network ao fazer o Ben 10, Copa Toon e Regular Show é que eles pagam uma parte e a gente paga outra parte, e nós somos sócios desse projeto”, me explica Manfredini. “Então a gente tem revenue share [divisão de receita] em todos eles. Temos acesso aos dados do jogo, quantos foram comprados, em quais países foram comprados. Do ponto de vista de entendimento do mercado, isso nos permite compreender quanto se fatura com jogos. E nós e todos os profissionais que trabalharam nos jogos nos sentimos autores desses projetos. Não é como se viesse um documento de game design pronto e a gente só construísse, se não a gente não seria nem game designer. A parte de arte, especialmente, a gente tem muito orgulho. Para a Cartoon nos autorizar um desvio de estilo de uma franquia que é mundialmente conhecida, como o Regular Show, é por que fazemos um trabalho realmente bacana.”

A longa trajetória de advergames permitiu que a Aquiris não apenas adquirisse uma grande experiência com desenvolvimento de games mas também um amplo conhecimento do mercado de jogos.

“Esse trabalho de advergame, por mais simples que possa parecer para a indústria, foi o que chamou a atenção da Unity para eles chegarem para nós e dizerem: ‘vocês usam tão bem a nossa engine que nós gostaríamos que vocês fizessem um jogo para demonstrar as melhores features da versão 3.0 da nossa engine, que vamos lançar’. Aí em 2010 a gente faz esse jogo demo, o Unity Bootcamp, e o fato dessa engine ser distribuída mundialmente faz com que todo mundo conhecesse a Aquiris”, conta Manfredini.

Unity Bootcamp é um jogo de tiro em terceira pessoa de temática militar com visuais em 3D e jogabilidade que não deixam nada a dever a alguns dos melhores jogos AAA de 2010. A qualidade do projeto foi rapidamente reconhecida e a publisher alemã Aeria Games, que então se preparava para chegar ao Brasil, viu potencial na demo e se aproximou da Aquiris.

“É uma escadinha, em que uma coisa vai completando a outra. E hoje, sendo uma empresa de 45 pessoas, mais de R$ 4 milhões de faturamento, a questão da gestão e a responsabilidade com o negócio sempre vem em primeiro lugar. É óbvio que a gente sonha cada vez mais com projeto próprios, mas tudo isso passa por um aprendizado que a gente não tá disposto a bancar sozinho”, comenta.

A partir do que havia sido criado em Unity Bootcamp e com investimento da Aeria Games, a Aquiris começou seu trabalho no que viria a ser seu mais notório jogo original: Ballistic, um shooter em primeira pessoa online, free-to-play, competitivo e com claras influências de títulos como Call of Duty e Team Fortress 2. Para uma empresa acostumada a produzir advergames, foi um salto e tanto – e um risco igualmente grande, que ficou claro quando a Aeria Games, em uma mudança súbita de planos, terminou o contrato e cessou o financiamento do jogo, deixando a Aquiris na mão, com um jogo pela metade.

Por sorte, em 2011, a Rumble Games, companhia fundada por ex-executivos da LucasArts e BioWare, já havia demonstrado interesse no desenvolvimento do jogo e até sugerido participar da sociedade da Aeria com a Aquiris. Com o projeto órfão, a Rumble não hesitou em propor a continuidade do desenvolvimento de Ballistic. O abandono da Aeria, contudo, os deixaram receosos: “A gente contratou um advogado americano para acompanhar essa negociação”, disse Manfredini. “Foi o advogado mais caro da nossa vida, mas também agradecemos ter pago por ele, pois era um cara experiente na indústria de games que já conhecia com quem a gente estava negociando, que era nosso publisher. Ele sabia que o contrato que vinha da publisher era… tipo… ‘Aquiris, vocês estão perdendo tudo praticamente’.”

Manfredini conta que, neste tipo de contrato, é comum que publishers façam exigências perigosas aos desenvolvedores, como o direito de ficar com uma parte maior do lucro (“o que é natural, já que eles estão financiando”), poder terminar o contrato como quiser, licenciar o produto para outros negócios sem o envolvimento do desenvolvedor, ter controle total sobre a propriedade intelectual etc. Por conta disso, a Aquiris deixou de fechar um acordo com a publisher de jogos mobile Chillingo, por exemplo.

Após as negociações, ficou acertado que os direitos do Ballistic seriam divididos entre as duas empresas, garantindo que uma não tomasse decisões sobre o produto sem o consentimento da outra.

Se Ballistic é hoje o maior jogo da Aquiris, é por que os advergames pavimentaram o caminho para que a companhia chegasse até ele – e Manfredini e Mendes demonstram  orgulho ao destacar o quão importantes eles foram para sua história, apesar da falta de reconhecimento por parte da comunidade de games. “A gente acaba tendo a tranquilidade de entender o não entendimento”, me disse Mendes, antes de me contar como ele convenceu a organização da SBGames, evento anual que reúne a indústria de games e a academia no Brasil, a reintroduzir a categoria de advergames à sua premiação.

“A gente fez um advergame. Aí, no ano passado, o SBGames, que é um concurso que a gente gosta de participar, não tinha uma categoria de advergames na premiação. Eu escrevi um texto, mandei para algumas pessoas, postei no Facebook, justamente falando esse ponto: a gente consegue entender essa natureza ‘não pura’ do advergame. Ele não é um game ‘puro’ do ponto de vista autoral, do sonho indie brasileiro. A gente tem essa vontade também, mas respeitamos os passos difíceis antes disso, como o Sandro falou. O porquê das pessoas não gostarem de fazer advergame, a gente sabe. Fizemos mais de 40 advergames. Os budgets às vezes são apertados, o tempo é muito escasso. É uma série de apólices que são difícies de lidar. Às vezes não dá pra ter muito cuidado. Sabemos de tudo isso. Mas ao mesmo tempo ele é importante para as finanças de qualquer empresa e é algo que, no aperto, ainda sustenta muitas empresas de três ou quatro pessoas hoje em dia. Nos bastidores, não nos palcos. Por mais que não seja o tipo de jogo que a gente quer fazer, realisticamente, é o que a gente tem que fazer. Então acho uma injustiça a gente não premiar os caras que estão injetando dinheiro na nossa indústria. O cara que faz um advergame aprendeu algo, completou um ciclo curto e teve aprendizado a partir disso.”

Após a reivindicação de Mendes, a SBGames considerou sua perspectiva e trouxe de volta a categoria de advergames na premiação do evento.

Veja imagens de alguns dos jogos já criados pela Aquiris:

Manfredini complementa: ”Quando a gente pensa no tamanho e maturidade da indústria de games que somos nos Brasil, que é muito frágil e nova, a gente tem que ter humildade de valorizar tudo o que é feito, porque se daqui a pouco saem três pessoas da Aquiris e fazem um estúdio novo e um jogo animal, foi porque a Aquiris existia e era financiada por um tipo de projeto que deu aprendizado para aquelas pessoas terem um dia experiência suficiente para fazer jogos legais.”

A grande produção brasileira de advergames é resultado de uma indústria de poucos incentivos e investimentos, que possam propiciar uma maior produção de jogos originais. E, quando a grana é curta, mesmo os estúdios que não possuem interesse em produzir advergames acabam se rendendo a eles – ou fecham as portas.

“A gente tem sete anos e meio. Quantas empresas de games a gente ja viu abrir e fechar?”, indaga Mendes, lembrando de nomes como Critical Studios (de Dungeonland) e Monster Juice. “Uma galera que tinha um trabalho bom. Não funcionou pela questão de negócios”, lamenta.

O surgimento de editais para games, apoio da Lei Rouanet e iniciativas como o Brazilian Game Developers (BGD), parceria da Abragames e da APEX, agência brasileira de exportação e investimentos – programas que contam com envolvimento direto de Manfredini e Mendes -, mostra que o cenário atual da indústria já é bem mais animador do que o do final da década passada, quando nada disso existia – e, não por coincidência, os advergames praticamente dominavam o desenvolvimento de games no Brasil. Tais programas facilitam a produção independente e original e o contato de desenvolvedores brasileiros com publishers internacionais, criando aos estúdios brasileiros oportunidades que vão muito além do advergame.

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Aproveitando a situação mais favorável, um investimento recente de R$ 10 milhões e a própria experiência adquirida com tantos advergames, a Aquiris se prepara para dar um enfoque maior à produção original de jogos, ainda que se mantenha cautelosa. Seu novo plano de negócios prevê o Aquiris Lab, uma equipe focada em criar protótipos de novos jogos. A partir daí, a companhia escolhe tocar o projeto sozinha (“lembrando que não é só grana do desenvolvimento – ainda estamos falando de 8 meses de desenvolvimento, no mínimo -, pois também tem o marketing, que é caríssimo, para se diferenciar em uma AppStore e uma Steam, que são super carregados de jogos”, ressalta Mendes) ou dividi-lo com uma parceira, tal como Ballistic.

Mas isso não significa que a companhia deixará de trabalhar em advergames. “A Aquiris é uma das maiores empresas de games do Brasil e, cara, os pilares dela são os advergames. A gente sempre vai lembrar disso.”