Metroclash: a cidade, as pessoas e o metrô
Boas ideias costumam surgir nos momentos mais inesperados. Da observação do arquiteto e game designer Lucas Carvalho, o Midio, durante uma viagem de metrô em São Paulo, e da posterior conversa com seu amigo e também game designer André Asai, da Loud Noises, nasceu a ideia por trás de Metroclash, que a dupla desenvolve em parceria com Gregório Toth, da TawStudio. Iuri Rodrigues, conhecido pelas composições que embalam jogos do Miniboss, como Out There Somewhere e Deep Dungeons of Doom, ficou responsável pela parte sonora.
“Me peguei pensando como seria legal explorar os trens e estações em um jogo”, me contou Midio. “Comecei a fuçar umas fotos do metrô de Nova York dos anos 80 e fiz um conceptrápido do que tinha em mente, de um jogo meio turn-based baseado em Megaman Battle Network, tendendo para alguma mecânica de ritmo.” Após se encontrar, por acaso, com Asai, que tinha uma ideia similar para um jogo, a dupla resolveu levar a criação adiante.
Depois dos primeiros testes, a equipe optou por descartar a ideia de grade nos cenários e permitir um controle direto dos personagens, aproximando Metro Clash de um beat ‘em up tradicional, mas também de Crawl, uma referência para a equipe. Nova York também saiu para dar lugar a uma metrópole futurista, ainda sem nome.
Midio explica: “No estado atual do desenvolvimento, a cidade deve funcionar de maneira bem orgânica e as linhas de metrô e suas estações estruturarem o mundo do jogo, cada estação funcionando como uma fase ou sala de uma dungeon diferente. Ao entrar no trem, o jogador pode se deparar com uma batalha, ou não. Finda a batalha, o trem para na próxima estação e ele pode escolher descer e mudar de caminho ou continuar para o próximo vagão, onde enfrenta novos inimigos e tenta alcançar algum objetivo específico. Como imaginamos que uma sequência de batalhas pode ser muito cansativa, o jogo vai ter vários tipos de vagões e chances variadas de encontros com inimigos.”
Embora Midio me diga que “roguelike” não seja exatamente o termo que eles querem usar para descrever Metroclash, essa aleatoriedade de eventos inevitavelmente acaba aproximando o jogo do popular sub-gênero no qual se encaixam Rogue Legacy, Spelunky, The Binding of Isaac, além do próprio Crawl.
“A gente dividiu os carros dos trens em algumas categorias que podem incluir batalhas, eventos, lojinhas e encontros com outros personagens. Ainda é um pouco nebuloso pra gente se vai haver uma história linear, alguns pontos previstos ou se vai ser só um mundo aberto com coisas acontecendo. Pessoalmente, estamos tendendo para uma estrutura mais linear com alguns objetivos opcionais e um modo sandbox, infinito.”
No mundo de Metroclash, gangues dominam diferentes áreas de uma cidade, cada facção possuindo uma cor específica remetendo à cor da linha de metrô dominada por ela. O jogador controla uma dupla de personagens, alternando o controle entre eles e combinando suas habilidades. Conforme alguns rivais forem vencidos, eles podem se juntam à sua equipe, permitindo novas combinações, algumas mais favoráveis que outras, dependendo do tipo de relação entre eles.
Abraçando a diversidade
O trio quer que a combinação de personagens seja não apenas um elemento estratégico mas também narrativo. “Para justificar a mistura entre personagens de gangues diferentes, a gente quer adicionar muita diversidade a esses personagens: casais gays, irmãos e irmãs, gente que se odeia, que se gosta etc”, conta Midio.
“A questão de diversidade é primeiramente estética: criar personagens diversificados, com formatos, aparências, tamanhos e estilos diferentes, como acontece no mundo real. Acho que ao fazer um jogo com apelo urbano tão forte, a questão de inclusão se faz bem pertinente. A combinação de personagens diferentes pode ter muitos efeitos em batalha: estas diferenças nunca são baseadas em atributos físicos, mas sim em histórias de background que estamos criando pra justificar estas relações. Por exemplo, a Mia (ao lado) salva o Kiel (de barba e moicano, abaixo) de uma luta com o Nico, da gangue azul, e ele se junta à ela na gangue vermelha. Então Kiel e Mia se gostam bastante. Mas o Kiel não gosta do Nico, que era da gangue azul. O Nico tem um namorado também na gangue verde, então juntar os dois numa equipe é algo positivo porque ambos pode melhorar seus ataques, mesmo que eles sejam de gangues diferentes. Entretanto, misturar o Kiel e o Nico pode não ser tão efetivo naquela sessão de jogo, já que o histórico deles é de desavença.”
Mas, considerando a violência contra LGBTs no mundo real, a inclusão de personagens LGBT em Metroclash não poderia se tornar uma questão controversa? Midio acredita que não, uma vez que a intenção da equipe é trabalhar com igualidade. “Como representante da comunidade LGBT, o que mais sinto falta nos jogos é de haver personagens cuja sexualidade não é definidora de caráter, mas sim um traço como outro qualquer. Apesar da atualidade da questão da violência contra LGBTs, há um cuidado especial no desenvolvimento do jogo para que os nossos personagens gays não sejam vistos como vilões ou com estranhamento, ou ainda de maneira alegórica, nem detrimental. Eles são iguais aos outros personagens, variando no máximo em atributos como força ou velocidade – variações que ocorrem com todos. Todos eles são heróis e isso é muito importante: os inimigos são robôs ou mesmo outras gangues quaisquer da cidade. Acho que seria grave fazermos um jogo sobre o tema e incluirmos somente personagens homens e heterossexuais como principais.”
“Acho interessante, importante e necessário a gente inserir a questão da diversidade e tratá-la no mesmo patamar de normalidade que qualquer outra coisa. Como desenvolvedor a gente tem essa responsabilidade de gradualmente inserir estas questões de gênero e sexualidade pra que a audiência entenda que a diversidade é algo importante e que não importa qual personagem você escolher – se ele for gay, lésbica, bi, hétero, pan, trans, homem ou mulher – ele vai sempre ser legal de se jogar.”
Entre Nova York e Tokyo-to
A influência de Jet Set Radio é evidente no trabalho da equipe, além de ser um dos jogos favoritos de Midio. O jogo da Sega, lançado originalmente para o Dreamcast em 2000, também trazia gangues que se enfrentavam em uma cidade futurista, Tokyo-to, uma ideia replicada em Metroclash, mas explorada de maneiras diferentes. Embora a Nova York dos anos 80 tenha sido substituída por uma cidade fictícia em Metroclash, a maneira como o espaço urbano é percebido pelo jogador poderá não ser diferente assim da cidade norte-americana. Para construí-la, Midio usou de seus conhecimentos de arquiteto para modelar a cidade e imaginar sua densidade e vizinhanças.
“Esse estudo prévio ajuda a entender como são as vizinhanças por onde passam as linhas de metrô. Cada linha vai ter uma identidade própria (uma mais nova, outra mais antiga, uma tecnológica-futurista, uma punk etc.), e as pessoas que ocupam as linhas e estações são ‘aleatorizadas’ pra cada área da cidade tendo em base condições como densidade populacional, tipo de pessoas que usam mais determinada linha, etc.”
A ideia é que a cidade seja vista pelo jogador como um organismo vivo, no qual, dentro de sua organização e partir de sua navegação, ele tenha que lidar com sua imprevisibilidade. Eventos acontecem com frequência em determinados lugares e, usando as linhas de metrô, o jogador pode ir até eles para ganhar alguma recompensa ou ter a chance de destravar um personagem. Curiosamente, são viagens como a do próprio Midio, no metrô de São Paulo, que deu origem à Metroclash.
“Eu acho que eu carrego um pouco da visão de arquitetura e urbanismo em tudo o que eu faço porque a faculdade se encarrega primariamente de te oferecer visão de mundo, e esse é um filtro que, por mais que eu tenha tentado me desvencilhar, tá em todo lugar! Eu vejo as coisas (infelizmente ou felizmente) pelas lentes de um arquiteto. A idéia do jogo saiu da observação da cidade e do cotidiano das pessoas durante um trajeto comum pra mim, e eu acho que existe uma conexão forte entre a atividade de observação do espaço e de possíveis ideias pra jogos. Não posso dizer pelo Asai sobre como a idéia se construiu pra ele, mas pelo menos pra mim foi assim.”
Com aproximadamente seis meses de desenvolvimento, para PC, Mac e Linux, Metroclash tem sido feito no tempo livre da equipe, sem nenhum tipo de investimento além do tempo e dedicação de seus autores. A ideia é que, até o final do ano, a equipe tenha uma versão alpha, com mecânicas funcionais, e, a partir daí, buscar algum tipo de financiamento, seja com concursos, editais, investimento privado ou até financiamento coletivo.