Inspirado por Shovel Knight e clássicos do Game Boy, Möira busca uma segunda chance no Kickstarter
Um dos jogos mais aclamados de 2014 podia muito bem ter sido lançado em 1993. Ao intencionalmente se limitar às tecnologias e estética dos jogos da era 8 e 16-bit, que foram tratadas como catalisadores criativos pelo pequeno estúdio californiano Yatch Club Games, Shovel Knight se tornou um dos exemplos mais contundentes da atemporalidade do bom game design.
Seu lançamento coincidiu com o início do desenvolvimento de Möira, projeto nascido dos experimentos com o protótipo de um jogo de plataforma criado pelo espanhol Gabriel Amoedo, residente em Belo Horizonte. Após aperfeiçoar a ideia central, baseada na combinação de poderes, Möira começou a tomar forma.
No mesmo ano, a equipe original, então composta por apenas duas pessoas, tentou realizar uma campanha de financiamento no Kickstarter. A tentativa, porém, foi um tiro no escuro: com uma versão bastante rudimentar do projeto, sem conteúdo suficiente para apresentar e sem um objetivo concreto, a equipe falhou em bater a meta de 7 mil dólares canadenses. Um ano depois, motivados pela aprovação do projeto no Steam Greenlight, Möira foi reformulado por uma nova equipe. Agora, com o jogo refeito, com melhorias significativas e uma pequena comunidade de fãs e apoiadores, eles acreditam que merecem uma segunda chance.
5 tons de cinza
A equipe atual da Onagro Studios, formada no início de 2015, conta com cinco integrantes, incluindo o programador veterano Luiz Gama, que trabalhou na série Deer Hunter, do extinto estúdio gaúcho South Logic. Amoedo é o lead game designer, enquanto que a arte e as animações ficam concentradas em Victor Leão. A música e os efeitos sonoros são de responsabilidade de Luiz Roveran e de Thommaz Kauffmann, autor da trilha sonora igualmente chiptune Oniken. Apesar das funções definidas, todos opinam no design do jogo de forma geral.
Em Möira, somos Rubick, um aprendiz de feiticeiro que parte para encontrar seu mestre desaparecido, usando seu cetro mágico, capaz de imitar os feitiços de outros personagens e inimigos. O jogo possui um mapa principal, no qual concentram-se as fases, algumas das quais são vilas, onde o jogador interage com personagens e adquire quests, e outras são fases mais tradicionais, focadas na exploração, nos quebra-cabeças e nos combates.
As magias aprendidas podem ser combinadas, dando origem a novos feitiços, com diferentes propriedades e utilidades. Uma bomba relógio, por exemplo, é capaz não apenas de quebrar certas barreiras como também lançar Rubick para o alto, com sua explosão. Combiná-la com o feitiço de espada resulta em um novo feitiço: uma faca que pode ser lançada contra a parede para gerar plataformas temporárias, permitindo que o personagem a escale.
A escala monocramática de Möira, com seus cinco tons de cor, um a mais que o suportado pelo Game Boy, torna evidente a influência dos jogos do portátil ao projeto. “Nos inspiramos em Kirby’s Dream Land, Kid Dracula, Mega Man e Wonder Boy”, diz o programador Luiz Gama. “Todavia, buscamos trazer essa estética para o contexto de hoje do videogame. Assim, títulos mais recentes como Cave Story e Shovel Knight são referências essenciais em nosso trabalho.”
O jogo da Yatch Club Games, contudo, é o que mais tem servido de modelo para a equipe.“A primeira fase de Shovel Knight é uma aula de game e level design”, diz. “Tivemos muita dificuldade em montar uma demo capaz de guiar o jogador por suas mecânicas básicas de imitar magias e combiná-las, sem que isso comprometesse sua imersão.”
A demo, que pode ser baixada gratuitamente e possui pouco mais de meia hora de jogo, faz um excelente trabalho em apresentar o jogo e suas características únicas. Além de ser extremamente charmoso e bem realizado em sua proposta 8-bit, introduz o jogador a suas mecânicas e universo de forma tão natural, que me peguei querendo mais, quando cheguei ao seu fim. O desfecho introduz também o mistério do súbito uso de cores no mundo monocromático de Möira, algo associado ao vilão do jogo.
“No começo do desenvolvimento, a gente acreditava que era uma grande sacada esconder as cores, fazer uma surpresa para os jogadores”, diz Gama. Mas com o passar do tempo, playtests, conversas com outros devs, nos convencemos de que não é isso que faria o jogo ser legal. O que ele precisava era uma boa jogabilidade e uma história que introduzisse a cor de um jeito interessante. Então paramos de fazer segredo sobre as cores, e até decidimos já introduzir o vilão, que inicialmente é a única coisa colorida.” Sem estragar as surpresas, contudo, Gama afirma que as cores estarão ligadas ao gameplay.
“O mundo de Möira é um mundo sem cores, e o desaparecimento do mestre do Rubick, o Grande Zeppeli, junto ao aparecimento de um vilão alienígena, colorido, totalmente diferente do que as pessoas daquele mundo conhecem, são o ponto de partida da trama do jogo. A cor tem um papel importante na história, mas não tem nada a ver com a evolução dos consoles da vida real”, explica, talvez descartando algumas hipóteses metalinguísticas.
Ao terminar Möira, uma das recompensas aos jogadores será a possibilidade de jogá-lo novamente, em um New Game +, desta vez todo colorido, desde o início. “Também temos a ideia de que no jogo colorido, certos segredos nos mapas serão revelados, que estão escondidos pela simplificação monocromática que fazemos. Mas ainda estamos muito cedo no desenvolvimento e isso pode mudar durante o andamento do projeto”, diz Gama.
Möira também oferecerá, na forma de recompensas, diferentes paletas de cores, bem aos moldes de Downwell — há, inclusive, uma paleta preta e vermelha dedicada a ele.
A fidelidade técnica e artística aos jogos 8-bit levou Thommaz Kauffmann, o compositor de Möira, a contornar as limitações e identificar o que havia de mais rico nas trilhas sonoras dos jogos antigos que servem de inspiração à equipe. “É um grande aprendizado compor com tantas limitações de timbres e de instrumentos. As melodias eram o grande foco das trilhas naquela época e, portanto, eram muito bem trabalhadas para grudarem na cabeça do jogador. Procuramos desenvolver a trilha de maneira a dar esse tipo de sensação nostálgica para quem jogar o Möira”
Kauffmann também se diz influenciado pela trilha sonora de Shovel Knight, uma que, segundo ele, traz não apenas a carga nostálgica, mas inova em seus arranjos e melodias. “Particularmente, é a trilha que mais estou estudando para fazer as músicas de Möira”, assume.
Além do aperfeiçoamento dos conceitos que deram origem ao projeto, a equipe se preocupou em preparar o terreno para uma nova campanha de financiamento coletivo, o que os levou a reconhecer a importância do relacionamento com o público através das redes sociais. “Nós sabíamos que construir uma base de fãs fiel é um processo fundamental para o êxito de um jogo e, principalmente, para uma campanha de financiamento coletivo”, diz Luiz Roveran. Desde que a equipe se reestruturou, ela mantém ativas contas no Tumblr, no Twitter e no Facebook, sempre revelando detalhes do jogo através de GIFs e artes, com posts em português e inglês.
A campanha atual de Möira no Kickstarter tem uma meta de arrecadação de 12 mil euros. “Como o Gabriel Amoedo possui a cidadania espanhola, foi o jeito mais fácil de fazermos uma campanha internacional sem surpresas na hora de receber o dinheiro arrecadado”, Gama explica.
Por enquanto, o objetivo principal da equipe é se concentrar no desenvolvimento de Möira para o PC, Mac e Linux, mas é um desejo desenvolvê-lo para consoles como o PS4, Xbox One e Wii U — tanto que há metas na campanha de financiamento para isso. A adaptação para consoles envolveria obter licenças específicas, além de trabalhar na conversão do jogo, o que envolveria refazê-lo em outra engine. “Achamos melhor terminar a demo e ver aceitação do público através da campanha, antes de parar e refazer tudo”, esclarece Gama.