Ao jogar de maneira diferente, encontrei um jogo que gostava em Mega Man 11
Existe uma versão deste texto que começa comigo dizendo que talvez Mega Man só possa existir na nostalgia. Que trazê-lo essencialmente como ele sempre foi para os dias de hoje é colocá-lo fora de seu tempo e nos fazer notar que, talvez, ele não funcione mais.
Isso porque quando terminei Mega Man 11 pela primeira vez o achei extremamente sem graça. Em uma sessão de três horas, derrotei os oito robôs antagonistas, entrei no esconderijo de Wily e vi os créditos rolarem, sem conseguir ressaltar algum ponto da aventura que tivesse achado particularmente interessante.
Dentre outras coisas, havia o sentimento de que não tinha tido que explorar nem minimamente o sistema Double Gear, a grande novidade deste Mega Man, que nos permite ver tudo em câmera lenta ou termos ataques mais fortes por um tempo limitado. A mecânica foi o chamariz na revelação e no ciclo de divulgação da obra da Capcom e, por algum motivo, não pareceu muito necessária nem se fez muito presente em meu tempo com o jogo.
O que tinha sido marcante, no entanto, era algo que não tinha sido colocado como um pilar no título. Entre os estágios podemos acessar uma loja para comprar itens, como Energy Tanks, vidas etc, que é algo que já havia aparecido em jogos anteriores, porém desta vez é também possível adquirir melhorias definitivas para o protagonista.
Esse traço, que é mais comum na série Mega Man X e que existia basicamente na mesma forma em Mega Man & Bass, traz mudanças significativas aqui. Pode-se comprar, por exemplo, um apetrecho que faz com que Mega Man escorregue menos em gelo, que não morra ao cair em espinhos, que carregue automaticamente seu mega buster, se mexa em velocidade normal quando usa a Speed Gear (a que nos faz ver tudo em câmera lenta) e que tenha disparos maiores. O preço dessas melhorias é baixo, o que faz com que seja bem fácil comprar tudo, e seu efeito é muito forte, em alguns casos mudando completamente como os desafios das fases são encarados.
Isso, junto a uma abundância de Energy Tanks e vidas, teve o efeito de que ao fim eu só tivesse atravessado o jogo, sem ter entendido suas mecânicas e então dominado-as. Os próprios chefes, que são inventivos e mudam suas características no meio da batalha por também usarem o Double Gear, foram uma trivialidade, já que recuperar a vida no meio das batalhas era simples. Eu desliguei Mega Man 11 com a certeza de que, fora do apelo nostálgico que tivemos em Mega Man 9 e 10, não havia lugar para a série clássica nos dias de hoje.
Foi então que resolvi jogá-lo novamente, desde o começo, porém desta vez com uma diferença: eu não compraria nenhuma das melhorias. Usaria apenas os Energy Tanks coletados nas fases e não mudaria as capacidades de Mega Man em nada além das armas de chefes, adquiridas quando eles são derrotados. E então o jogo clicou comigo.
Eu tenho um receio muito grande de que com isso meu argumento soe elitista, pois eu acredito que escolha é algo muito bom em jogos. Desafios mecânicos não são do interesse de todos e muitos podem querer passar por cima deles, porque o desejo está em ver todos os cenários que existem em um jogo, sua história ou seja lá o que há nele. Porém, por conta da minha experiência quando o terminei pela primeira vez, saí com a sensação de que sem o desafio de aprender padrões e dominar seus sistemas, Mega Man é empobrecido.
Eu particularmente não vi utilidade no Power Gear, que deixa nossos ataque mais fortes, mas o Speed Gear é divertidíssimo e com alguns detalhes que, se compreendidos, dão uma maleabilidade enorme aos confrontos. Mesmo sem a melhoria que faz com que Mega Man se mova na velocidade normal com a Gear ativada, os disparos do robô azul têm a mesma velocidade de sempre. Assim, com exceção dos chefes da fase, é possível se posicionar de forma a deixar tudo lento e sentar o dedo no botão de ataque, destruindo até mesmo os sub-chefes sem que eles quase consigam reagir. Isso foi especialmente legal no Block Man, um Mestre Robô que tem uma transformação no meio da luta, que, ao usar estrategicamente a ativação do Speed Gear, consegui derrotar sem que ele desse mais do que dois ou três ataques nessa segunda forma.
Eu sei que explorar esse tipo de coisa não é do interesse de todos os jogadores, mas essa é uma faceta que tinha ficado completamente escondida na primeira vez que joguei e que, não fosse a segunda chance que dei ao jogo, nunca notaria. E entender a profundidade do Speed Gear, aprender a lutar contra os chefes e dominar os desafios dentro das fases para superá-los são os aspectos que me fizeram gostar de Mega Man 11, mas que senti totalmente ausentes na primeira vez que o vi de cabo a rabo.
Existem coisas que são ruins independente de como o jogo seja jogado. O personagem Mega Man tem um visual muito bom, assim como os chefes (que têm alguns ataques com animações muito bonitas e detalhadas) e os inimigos que encontramos pelas fases. Os estágios, no entanto, variam de qualidade imensamente, com alguns, como o do Blast Man, sendo charmosos e contando com detalhes que contextualizam a presença daquele robô no mundo (aparentemente ligado a um programa televisivo e tendo um parque de diversões). Mas outros, como do Bounce Man e Fuse Man, são visualmente horríveis, com cores lavadas e enjoativas, e salas difíceis de serem distinguidas entre si. A música também é na melhor das hipóteses genérica e esquecível, parecendo composta de trilhas brancas que poderiam ser trocadas entre si sem fazer diferença, pois não há traços nelas que as façam combinar com as fases que as acompanham.
Com isso noto que meu questionamento sobre a impossibilidade de Mega Man existir além da nostalgia estava errado. Chego à conclusão que, na verdade, aquilo que ele sempre foi é inteiramente cabível aos dias de hoje, ainda mais com a adição de mecânicas como a Speed Gear, que ampliam o leque de possibilidades do robô puro aço. A limitação está no fato de que, ao menos na série clássica, as barreiras mecânicas, os desafios e o aprendizado de superá-los são uma parte essencial da fórmula e, correndo novamente o risco de soar elitista, despido isso, o jogo de plataforma que resta é sem graça e genérico.
Eu penso em Celeste nessas horas, em como o título implementou um modo de assistência que permitia que qualquer um terminasse as fases, porém com a diferença que a modalidade era introduzida com uma linguagem convidativa e sincera, ao mesmo tempo que conseguia dizer que a experiência inicialmente pensada pelos desenvolvedores era sem aquela ajuda. Talvez algo similar a isso resolvesse esse dilema que sinto em Mega Man 11, que coloca as melhorias como parte integral à experiência, mas cujos efeitos tiraram a cor e graça que os sistemas do jogo possuem.
De qualquer forma, a escolha ainda está lá, o que é provavelmente melhor do a imposição de uma forma “correta” de se jogar. Só acredito que existem maneiras melhores dessa escolha ser apresentada e passada ao jogador. Independente disso, mais de oito anos após o lançamento de Mega Man 10, a boa notícia é que, dependendo de como você decidir jogar, existe um bom Mega Man em Mega Man 11.