12 fatos que talvez você não saiba sobre a guerra entre Sega e Nintendo
Qualquer um que tenha vivido o início dos anos 90 tendo o mínimo de contato com videogames sabe o quão acirrada foi a disputa entre a Nintendo e a Sega. A rivalidade entre as companhias era tão grande que contagiava o próprio publico, que aderia a um dos lados como quem passa a torcer fiel e assiduamente para um time de futebol pelo resto da vida – pelo menos até a próxima geração de consoles.
Esse período marcante da história dos videogames foi detalhadamente documentado no livro Console Wars por Blake J. Harris, lançado em maio deste ano e inédito no Brasil. Em formato de romance, o thriller corporativo se foca na gestão de Tom Kalinske, eleito CEO da SEGA em 1990 e responsável por ter sido a maior pedra no sapato da Nintendo durante muito tempo. O livro está sendo adaptado para os cinemas pela dupla Seth Rogen e Ewan Goldberg (que trabalham juntos desde Superbad), sem previsão de estreia. Enquanto esperamos por um trailer sequer, elencamos alguns dos fatos mais chocantes e curiosos resgatados pelo livro:
1. A Sega quase comprou a Atari
Tendo construído uma boa reputação como uma fabricante e distribuidora de arcades eletromecânicos, que nos anos 70 dividiam espaço com máquinas de pinball, a Sega rapidamente entrou no mercado de arcades digitais, após o sucesso de Pong e Space Invaders. Depois de emplacar inúmeros hits, a companhia se sentiu forte o suficiente para tentar adquirir a Atari. Em meio às negociações entre os então presidentes da Sega e Atari, David Rosen e Nolan Bushnell, a Atari desenvolveu o primeiro console capaz de rodar múltiplos jogos, através de cartuchos: o Atari 2600. Percebendo a mina de ouro que tinha em suas mãos, Bushnell voltou atrás e desistiu da negociação.
2. Universal Pictures entrou com ação contra a Nintendo por Donkey Kong
Em 1982, após Donkey Kong se tornar uma febre pelos EUA, a Universal Pictures notou semelhanças entre o jogo da Nintendo com seu filme King Kong, de 1933, e acusou a Nintendo de violação de direitos autorais, exigindo que todos os lucros da companhia japonesa com a propriedade fossem repassados para eles. O então advogado da Nintendo (e futuro presidente da Nintendo of America), Howard Lincoln, levou o caso à justiça ao notar que a Universal sequer possuia os direitos por King Kong, que já era de domínio público. Resultado: o veredito foi favorável à Nintendo, mesmo após apelação da Universal.
3. A Nintendo já chegou a dominar 90% do mercado de videogames
No final dos anos 80 e início dos 90, a Nintendo controlava em torno de 90% do mercado de videogame. Sozinha, era responsável por 10% de todo o lucro da maior rede de varejo dos EUA, o WalMart, o que lhe dava poder suficiente para impedir o grupo de vender jogos de outras companhias, como a Sega. Pelo menos até a chegada estrondosa de Sonic, em junho de 1991.
4. Por pouco o NES não foi lançado como um computador chamado AVS
A Nintendo foi bem sucedida ao lançar o Famicom no Japão em julho de 1983. Porém, nessa mesma época, acontecia nos EUA o “crash de 83”: de tão saturada, a indústria de videogames simplesmente quebrou. Para tentar evitar o estigma que os videogames carregavam na época, a Nintendo transformou o lúdico Famicom em uma espécie de computador com visual futurista em sua tentativa de introduzí-lo nos EUA. Apresentado uma única vez na CES de 1984, o console e seus inúmeros componentes não foram bem recebidos. Após adaptações, a companhia chegou ao Nintendo Entertainment System, o NES, que também trazia características que o distanciava do design tradicional de consoles da época, como a entrada para cartuchos que lembrava a de aparelhos de vídeo cassete – que, então, era sinônimo de tecnologia de ponta.
5. Nintendo era praticamente uma ditadora
Se a indústria de games do final dos anos 80 e início dos anos 90 fosse um país, a Nintendo seria auto-proclamada ditadora, instaurando seu proprio regime totalitário – que alguns conheceram como “Selo de Qualidade Nintendo”. Com o rápido sucesso de seu NES, a Nintendo se aproveitou da terra de ninguém que era o mercado de games pós-Crash e passou a estabelecer e ditar todas as regras. Além de permitir que as produtoras lançassem no máximo cinco jogos por ano para seu console, a própria companhia era quem fabricava e vendia os cartuchos para os desenvolvedores, tomando as rédeas sobre seu preço, manufatura e quantidade de unidades enviadas às lojas. As produtoras também precisavam realizar um pagamento adiantado para receber a licença de publicação para o NES e eram cobradas 10% de royalties pelo lucro total de cada jogo. Já falei que eles também precisavam ser exclusivos para consoles da Nintendo por dois anos? Tudo isso mantia o cenário do Crash de 83 longe de se repetir, porém dava a Nintendo um controle abusivo sobre o mercado.
6. Tengen tentou se rebelar contra o regime totalitário da Nintendo
Limitadas pelas restritas regras da Nintendo, muitas companhias buscavam meios legais de se livrar dos grilhões impostos pela companhia sem que para isso tivessem que tentar a sorte nos 10% do mercado que sobravam para as outras fabricantes de videogames, como a Sega e a Atari. Algumas produtoras optavam pela abertura de uma subsidiária, aumentando para dez o número de jogos permitidos pela Nintendo – cinco para cada companhia. Um exemplo era a Ultra Games, subsidiária da Konami, através da qual ela lançou Metal Gear.
A Tengen, divisão da Atari, buscou uma solução menos ortodoxa: fazer a engenharia reversa do NES para decifrar o código que impedia cartuchos não autorizados de rodarem no console. Para isso, recorreram ao Escritório de Direitos Autorais dos EUA e, usando como pretexto a necessidade dos documentos de patente para se defenderem de um processo judicial aberto pela Nintendo, tiveram acesso a eles. Golpe de mestre, mas nem tanto. Assim que a Tengen lançou no NES seus primeiros jogos não licenciados, a Nintendo – obviamente – a processou (desta vez, de verdade) por quebra de patente. Ironicamente, a companhia entrou em uma batalha judicial contra a Nintendo uma segunda vez, em uma disputa sobre os direitos de Tetris. E perdeu, apesar da superioridade de sua versão do jogo.
7. Sega e Tengen formaram uma estranha parceria
Segundo Console Wars, a Sega se aproximou da Tengen quando percebeu que ela havia colhões para enfrentar sua maior rival, a Nintendo. A parceria tinha um fundo estratégico: enquanto a Sega contribuia com as despesas das batalhas judiciais da Tengen, esta fornecia uma grande variedade de jogos ao Mega Drive – alguns, inclusive, de sucesso considerável, como Pit-Fighter e Paperboy. O acordo nunca ficou conhecido do público. No livro, o autor sugere até que a Sega poderia ter financiado a tentativa de engenharia reversa do NES, encabeçada pela Tengen.
8. O possível motivo para o Mega Drive se chamar Genesis nos EUA
Embora fosse confortavelmente mais bem sucedida que a Nintendo no mercado de arcades na década de 70, a Sega foi subitamente ultrapassada pela rival com o estrondoso sucesso de seu Famicom no Japão e NES nos EUA. Sua primeira tentativa de desbancar a Nintendo foi o lançamento mundial do Master System em 1986, que apesar do sucesso moderado, principalmente na Europa e aqui no Brasil, não foi capaz de impedir a companhia de Hirochi Yamauchi de dominar o mercado norte-americano e japonês. O lançamento do Mega Drive no Japão em 1988, apenas dois anos após a chegada do Master System, representou a ânsia da empresa em desbancar a rival. Um recomeço. Tanto que nos EUA, a Sega of America optou por um novo nome: Genesis, carregando o significado bíblico da criação universal.
9. O Sonic original era bem esquisito
Apesar da superioridade técnica do Mega Drive/Genesis, no início dos anos 90 a Sega ainda comia a poeira deixada pela Nintendo e seu bem sucedido NES. Sabendo que precisava de uma arma secreta para combater a rival, antes que ela lançasse seu console de 16-bit, a Sega of Japan elaborou um concurso interno, no qual seus artistas desenhariam o futuro mascote da companhia – um cujo jogo fosse capaz de vender milhões de cópias. O personagem escolhido foi Mr. Needlemouse, um porco espinho do artista Naoto Ōshima. Do outro lado do mundo, contudo, a Sega of America temia o pior: Needlemouse tinha presas, tocava guitarra em uma banda de punk rock e tinha uma namorada humana chamada Madonna, que além de se parecer com a cantora pop de mesmo nome, era mais um pouco mais sensual do que o bom senso permitia. A então gerente de produtos da Sega of America, Madeline Schroeder (que posteriormente fundou a Crystal Dynamics), entrou em ação para tentar “salvar” o personagem e, a contragosto da Sega of Japan, convenceu a todos de que o personagem seria mais bem sucedido sem tais elementos, e com um novo nome: Sonic.
10. Electronic Arts criou briga com a Sega e acabou pressionada a fazer um jogo
Dedicada à produção e distribuição de jogos para computadores, a Electronic Arts se recusava a se sujeitar às restritas regras estabelecidadas pela Nintendo, e por isso se dedicava exclusivamente à produção e distribuição livre de jogos para computadores. Contudo, seu fundador, Trip Hawkins, sabia que o dinheiro estava mesmo no mercado de consoles. Apesar de ver potencial no Mega Drive, que em 1990 era o console mais poderoso no mercado, as condições estabelecidas pela Sega (que não eram afinal tão diferentes daquelas estabelecidas pela Nintendo, ainda que bem mais brandas) não o agradavam muito. Seguindo os passos da Tengen, a EA contratou engenheiros para realizar a engenharia reversa do Mega Drive, com o intuito de criar seus próprios cartuchos capazes de burlar a trava de segurança do console, que impedia o funcionamento de cartuchos não licenciados.
Ao mesmo tempo, a Sega corria o risco de perder US$ 1,7 milhão, gasto com a licença para desenvolvimento de um jogo baseado no jogador de futebol americano Joe Montana. Considerando que o jogo corria risco de não sair devido problemas de produção, a tramoia da EA com a engenharia reversa do Mega Drive e o fato de que eles próprios estavam desenvolvendo seu próprio jogo de futebol americano, John Madden Football, o presidente da Sega, Tom Kalinske, propôs um acordo: não processar a EA por quebra de patente caso ela tomasse para si o desenvolvimento de Joe Montana Football, usando a engine proprietária de John Madden Football. O então presidente da EA, Trip Hawkins, aceitou a proposta, mas fez de tudo para que Joe Montana não fosse superior à John Madden Football, uma vez que ambos os jogos estavam sob seu controle. Ainda assim, o jogo de Joe Montana acabou superando o “rival” nas vendas.
11. A Sega tentou “nocautear” a Nintendo por tabela no boxe
Quando o James “Buster” Douglas inesperadamente nocauteou o veterano Mike Tyson, que nos EUA havia estrelado Punch-Out!!, da Nintendo, a Sega viu uma oportunidade de atacar sua principal concorrente. Rapidamente, negociou com a Taito uma versão de seu jogo de boxe Final Blow para o Mega Drive, e com modificações mínimas, inseriu Buster Douglas no jogo, planejando seu lançamento para pouco depois da histórica disputa entre os pesos-pesados. Era claramente uma jogada de marketing, uma tentativa da Sega se apropriar do nocaute, associando sua imagem à do “azarão” (a Sega), que de surpresa derrotou o “gigante” (a Nintendo). Tirando o fato do jogo ser uma porcaria, ainda que visualmente impressionante para a época, a tática teria sido boa, se não fosse por um único detalhe: pouco antes do jogo chegar às lojas, um Buster Douglas desajeitado e claramente acima do peso foi humilhantemente derrotado por Evander Holyfield.
12. Como a Sega convenceu o Walmart a vender o Mega Drive
No início dos anos 90, o poder da Nintendo sobre o mercado de games era tão grande que seu controle se estendia até as grandes redes varejistas, que pressionadas pela companhia, eram impedidas de vender consoles concorrentes. Em resposta a isso, a Sega transformou Bentonville, em Arkansas, onde ficava localizada a sede do Walmart, na Segaville, recheando a cidade de propadandas do Genesis e seus jogos e instalando um arcade no qual os jogadores podiam experimentar gratuitamente as melhores novidades da companhia. Em conjunto com uma campanha publicitária agressiva, a ideia era fazer com que as pessoas se direcionassem ao Walmart para comprar o console e seus jogos, indiretamente pressionando a rede a disponibilizá-los para compra – o que, eventualmente, acabou acontecendo.