Análise - Vampyr
A Dontnod teve uma trajetória curiosa até agora. Seu primeiro trabalho, Remember Me, tinha ideias legais e um mundo que chamava a atenção, mas acabou falhando em explorar bem todos os seus conceitos. Logo em seguida, mudando drasticamente o estilo do jogo, o estúdio lançou Life is Strange, que não só tinha qualidade como acabou marcando muitos de uma forma que não é comum jogos fazerem. Como resultado, é provável que hoje existam milhares de pessoas que contem Chloe Price como uma de suas personagens favoritas em qualquer videogame.
E então chegamos a Vampyr, trabalho que, de novo, representa algo totalmente diferente da produção anterior do estúdio, retornando mais a uma base de ação como a que vimos em Remember Me. Infelizmente, o sentimento agora é de que a Dontnod deveria se focar em jogos totalmente voltados à narrativa. Se Remember Me tinha aspectos perdoáveis porque víamos seu potencial, o tédio absoluto que é Vampyr elimina em poucas horas qualquer boa vontade que uma pessoa possa ter.
Em Vampyr nós controlamos o médico Jonathan Reid, que se vê despertando desnorteado e confuso em meio a uma pilha de cadáveres. Sem entender o que está ocorrendo, ele rapidamente sente-se compelido a saciar sua recém-descoberta sede por sangue para, imediatamente, ser perseguido por caçadores que sabem lidar com vampiros. Ao mesmo tempo que lamenta sua condição e o que ela o fez fazer, Reid acaba por escapar e decide aprender mais sobre seu vampirismo e quem o tornou essa monstruosidade.
Apesar do início intenso, as coisas rapidamente se acalmam. Reid em pouco tempo conhece aliados e passa a trabalhar em um hospital local, que está lutando contra uma nova epidemia de gripe espanhola. Trata-se de uma versão mais forte do antigo vírus que já assolou a Europa, e uma que em ocasiões faz com que os infectados tornem-se bestas que cobiçam carne e sangue.
Fica progressivamente claro que os eventos em torno da transformação do médico têm alguma ligação com a epidemia. Esse é o palco dos eventos de Vampyr, que se passa em 1918 e nos coloca em uma Londres ainda arrasada pelos efeitos da Primeira Guerra Mundial.
Mesmo sendo um vampiro e tendo poderes provenientes disso, como arremessar lanças de sangue, poder se curar instantaneamente, fazer com que sombras saiam do chão e dilacerem nosso alvo, uma enorme parte de Vampyr gira em torno de conversar com os habitantes locais. Independente de ser uma criatura da noite, Reid caminha entre mortais sem problemas, se mostrando um bisbilhoteiro de mão cheia. Ao iniciar um diálogo com toda e qualquer pessoa que encontramos, o médico imediatamente começa a fazer perguntas pessoais a indivíduos que nunca viu antes, que na maioria das vezes contam suas histórias sem rodeios.
Eu não tenho como reforçar o suficiente quão chatas são essas conversas. Quando você sente que o jogo está para engatar e que nosso vampiro neófito está para ir atrás de questões que o atormentam, nos vemos longamente batendo papo com pacientes, médicos, enfermeiras, membros de gangue e toda sorte de gente que mora em Londres.
Ninguém tem nada de interessante a dizer. Nenhuma história é particularmente profunda, cativante ou minimamente inesperada. Elas são só factoides de indivíduos que não seriam mais do que extras em um filme. E ainda assim, Reid conversa, e conversa, e conversa.
E apesar dos humanos – e ocasionalmente vampiros – ao nosso redor em sua maioria terem a profundidade de uma folha de papel, é em torno de diálogos que uma importante mecânica de Vampyr ocorre. É através deles que aprendemos fatos sobre outros indivíduos que estão naquele distrito, que podem ser usados para interrogá-los. Por exemplo, uma enfermeira pode comentar que um dos médicos anda trabalhando demais sem descanso, o que fará com que possamos questionar o médico em questão sobre isso.
O motivo para isso é que quanto mais aprendemos sobre pessoas, melhor se torna a qualidade do sangue delas. Mecanicamente isso se traduz em uma quantidade maior de experiência se resolvermos enfeitiçá-las para beber o seu sangue. A maneira como isso aparece não é nem um pouco elegante, porque nós mal tivemos que participar de combates e aprender sobre a cidade quando o jogo libera todo um distrito, com cerca de uma dezena de personagens para conversarmos e investigarmos, sendo que a maioria deles nem pode ser enfeitiçada por nós naquele momento. Não só isso, mas nesse ponto nem está claro se o combate apresenta uma dificuldade que peça que aprendemos sobre os habitantes para que o sangue deles nos dê uma quantidade de experiência maior. É uma bagunça e o jogo se torna um tédio porque não há ritmo que divida nossas atividades. Os habitantes estão em geral concentrados em uma só área, então é mais provável que você esvazie as opções de fala com todos eles antes de seguir em frente, para então ver alguns cenários de combate.
O combate é bem direto ao ponto, pedindo que fiquemos de olho em nosso vigor para que possamos usar nossa esquiva, e que ataquemos os inimigos quando vemos uma abertura. Nossos poderes vampíricos ajudam muito, porém pedem que usemos sangue para ativá-los. Sempre podemos preencher nossas reservas sugando-o de oponentes, seja atordoando-os ou usando armas que coletam sangue a cada golpe.
A gama de poderes é limitada, mas eu gostei do que temos à disposição. É bem claro qual é a utilidade de cada uma de nossas capacidades, e o jogo permite que os níveis sejam redistribuídos sempre que descansamos em uma cama (que é a forma de subir de nível também). Então é possível testar todos eles e ver qual faz mais sentido para o seu estilo de jogo.
Existem combates que são mais desafiadores, especialmente quando inimigos com poderes próprios, como caçadores que usam de lança-chamas ou cruzes para nos atordoar, aparecem. Mas a impressão que eu tive foi a de que a dificuldade vinha de erros meus, de ter me esquivado na hora errada ou ter usado mal um poder. Não houve nenhuma luta impossível, na qual eu desejava ter mais níveis que só poderiam ser ganhos se eu tivesse bebido um dos cidadãos de Londres. É verdade que quando a qualidade de sangue deles sobe, a experiência proporcionada é bem alta, mas as missões normais e secundárias, além das lutas que encontramos aleatoriamente pela cidade, também promovem crescimento do personagem, então eu raramente vi sentido em matar essas pessoas inocentes para meu ganho.
A exceção da dificuldade está nos chefes, que têm um salto de desafio bem esquisito. Não chega ao ponto de travar o progresso. Porém, eu estava andando pelas ruas derrotando qualquer coisa sem problemas e, ao me deparar com esses inimigos mais poderosos, via minha vida estar quase vazia em três ou quatro golpes. Nessas horas é possível ver que o sistema de combate não é o melhor do mundo, satisfatório nos oponentes normais, mas limitado quando o jogo pede por algo mais complexo. Esses chefes constantemente têm ataques de área com alcances difíceis de serem determinados, que nos colocam na porta da morte sem que nem entendamos o que aconteceu. Também não é incomum que golpes poderosos sejam desferidos sem quase nenhum aviso ou animação que indique que algo assim está para acontecer. Em quase todos os casos eu tive de morrer para aprender o que acontecia, para conseguir passar em uma segunda ou terceira tentativa. Não é terrível, mas é um pouco frustrante.
Eventualmente, só para garantir que esses chefes seriam mais tranquilos acabei bebendo o sangue de alguns cidadãos. O que acontece é que isso deveria ser uma escolha difícil, que colocasse em cheque sua moralidade. Porém não dá para chamar os personagens secundários de personagens. Eles são só um amontoado de background, transformado em falas. Você não vai ter grande simpatia ou antipatia por nenhum deles. São só figuras que compõem o cenários de fundo, com algumas delas escritas de forma a serem totalmente detestáveis. Há também uma mecânica de caos nos distritos, que sobe se seus habitantes ficam doentes ou quando são mortos, aumentando a quantidade de inimigos por lá se a situação for crítica. Mas, fora ser chato ter que ficar andando de um canto ao outro da cidade, é fácil ter em abundância os itens necessários para se criar as curas, que melhoram a saúde dos cidadãos se forem entregues a eles.
Infelizmente, mesmo que você decida não matar ninguém ainda terá que passar pelos diálogos intermináveis. Isso porque é através deles que destrava-se as missões opcionais, que também dão uma quantia legal de experiência. E mesmo que não fosse o caso, as conversas que fazem parte da história principal também são alongadas e chatas, progressivamente fazendo com que eu me importasse menos com Reid. Fica claro que Vampyr está tentando evocar sentimentos que vimos com Louis em Entrevista com o Vampiro e em tantas outras histórias desses imortais, atormentados pelo sua existência e necessidade de sangue. Mas aqui, seu dilema moral é mal explorado, com texto mal escrito e em conversas que exalam artificialidade. Para piorar, há todo um romance forçado e sem sentido, que dá à trama do jogo um ar de folhetim barato, ironicamente um formato citado como de baixa qualidade por alguns dos personagens. O ritmo é muito ruim. Foi como se eu sentisse que estava o jogo inteiro esperando o momento que ele fosse começar de verdade, mesmo quando já estava perto do final.
É possível ver a ambição de Vampyr, na sua tentativa de criar uma cidade que seria como um palco cheio de figuras que têm relações umas com as outras, com segredos prontos para serem desvendados por nosso vampiro que deseja, mais do que tudo, saber a verdade sobre si próprio. O resultado, infelizmente, está mais para uma peça escolar, com participantes que se movem mecanicamente e apresentam falas decoradas quando percebem que é a sua vez de abrir a boca. É legal ver a Dontnod sair de sua zona de conforto e continuar tentando fazer coisas novas. É só que aqui, tudo deu errado.
Vampyr
Desenvolvido pela Dontnod
Distribuído pela Focus Home Interactive
Disponível para PC, PlayStation 4 e Xbox One
Testado no PC
Lançamento em 5/6/2018
A análise foi feita com uma cópia do jogo providenciada pela assessoria de imprensa