Análise - Spider-Man
Se balançar pelos prédios de Nova Iorque é incrível. Se há uma coisa que um jogo do Homem-Aranha tem que acertar, é o ato de navegarmos pela cidade pendurados em teias. Nós já tivemos no passado jogos do aracnídeo que eram bons nisso, mas nenhum deles conseguiu fazer o que a Insomniac fez aqui. Controlar nossa trajetória de pêndulo, escolher quando soltar a teia, e pegar impulsos em antenas e parapeitos é prazeroso, veloz e uma ação que sempre temos pleno controle. A característica mais importante do Homem-Aranha é executada lindamente em Spider-Man e, enquanto existem aspectos do jogo que ficam cansativos em certos momentos da aventura, se locomover como o Homem-Aranha é delicioso do começo ao fim.
Após uma introdução, que vai de uma cutscene cinematográfica imediatamente para jogabilidade de maneira bela, Spider-Man causa uma impressão inicial bem ruim. A missão de tutorial deixa muito a desejar, especialmente no que diz respeito ao combate. Muitas coisas são introduzidas de uma vez, o uso das diferentes habilidades não é bem explicado e as lutas são breves demais para que nos sintamos confortáveis com seus pormenores. Isso culmina em um encontro contra o Rei do Crime que é duro e esquisito, cujo único sentimento provocado é o de alívio quando ele é terminado. As coisas melhoram depois daí, e muito, quando vamos para o mundo aberto.
Uma vez livres para a gente explorar Nova Iorque como quisermos e em nosso próprio ritmo, tudo se encaixa. Os grupos de inimigos na cidade, nesse começo, são menores, então é mais fácil se acostumar com os controles. Fica claro então o quanto que o jogo quer que combos aéreos sejam usados com frequência, pois nessa situação o herói fica a salvo de ataques corpo a corpo daqueles que estão no chão. Também se torna evidente que é preciso abusar da teia que nos puxa diretamente a um oponente, permitindo que cruzemos o cenário com velocidade e muitas vezes automaticamente nos tirando do perigo. A importância desses detalhes não fica óbvia logo de cara, especialmente porque no tutorial estamos em um ambiente fechado, sem muito incentivo para fazer uso de toda a mobilidade que o aranha tem. Isso progressivamente vai sendo entendido e, então, o combate clica e se torna gostoso.
Tais combates misturam tempo de reação, porque pedem que a gente escape quando nosso sensor aranha apita, junto de criatividade em como usar o cenário e os dispositivos empunhados pelo Homem-Aranha. Ficar no chão trocando socos não é uma boa ideia e é também meio chato. As batalhas ganham vida quando nos balançamos de um lado para o outro, chutamos inimigos para fora de parapeitos, arremessamos pedaços do cenário em grandes grupos e coisas do tipo.
É também divertido fazer uso da capacidade do aranha de derrotar oponentes sem nem encostar neles, grudando-os no chão ou na parede usando nossa teia. Isso fica ainda mais legal quando ganhamos a teia de impacto, que consegue empurrar vilões uma certa distância, tornando o ato de fixá-los em superfícies ainda mais simples. Ou, ainda, um capanga que está preso pode ser arremessado ao ar e então puxado brutalmente em direção ao chão, ficando grudado e saindo de combate sem que tenhamos que dar vários golpes.
Combinar essas possibilidades, dentre outras que aparecem com os outros dispositivos como uma bomba de teia ou um disparo elétrico, é o que torna as lutas interessantes. Não é sobre o combate corpo a corpo em si ou sobre uma grande precisão. Na verdade, o jogo incentiva a experimentação ao nos deixar ser um tanto desleixados, não resetando nosso contador de combos quando erramos um golpe ou nos afastamos brevemente de um vilão. Ele reconhece que esses confrontos vão envolver momentos de locomoção em que vamos de um lado para o outro sem acertar ninguém, escapando ou nos posicionando em um local mais vantajoso, dando sempre tempo de sobra para que retornemos à luta e continuemos aumentando nosso contador.
Durante a maior parte do jogo a luta é boa e provoca volta e meia a sensação de nos impressionarmos com nós mesmos, dada a rapidez com que encaixamos movimentos e manobras. Porém, mais ou menos no quarto final da campanha os confrontos se tornam frequentes demais e desinteressantes. A essa altura já estamos usando quase tudo que está no arsenal do Homem-Aranha há algumas horas, então não há nada de novo para ser visto. Como a variedade de inimigos é baixa e eles não pedem por táticas muito diferentes para serem derrotados, lutar não requer muita atenção. É mais ou menos nessa hora também que uma nova facção entra em cena, com soldados que usam armaduras imunes à teia. Essas armaduras até podem ser retiradas deles, mas a verdade é que o único resultado é que esses confrontos se tornam mais longos do que deveriam ser, porém não desafiadores.
É nessa parte mais próxima do final que a maioria dos chefes são enfrentados. Existem outros no decorrer da aventura mas, por tantos deles ficarem muito juntos fica evidente que essas lutas são meio iguais. Esquivar e bater é meio que a solução para todos eles, só tendo um ou outro que pede que usemos o cenário ou as habilidades do aranha de maneira inventiva. É uma pena, pois o Homem-Aranha tem um elenco de supervilões bem diverso, que merecia ser melhor aproveitado.
Spider-Man tem uma estrutura de mundo aberto bem padrão e com um quê antiquada, ao ponto de ter torres que devem ser ativadas para que informações de missões secundárias apareçam no mapa. Tais missões envolvem desde coletarmos mochilas antigas de Peter Parker a limparmos esconderijos de todos os vilões que estão ali, ou medirmos o nível de poluição do ar da cidade (sério). A qualidade delas varia imensamente. As missões encontradas nas bases de pesquisa, que incluem essa da poluição, são um tédio absoluto, mas impedir crimes pela cidade (como parar carros em movimento ou derrotar uma emboscada de franco-atiradores) é bem divertido. As minhas favoritas envolviam de alguma forma a navegação, pedindo que a gente atravesse a cidade velozmente, entendendo as melhores rotas e usando ao máximo todas as capacidades do Homem-Aranha. Eu recomendo que você vá atrás dessas missões aos poucos, intercalando com a história principal. É tentador ir limpar o mapa assim que isso se torna possível, mas essas atividades não tem uma variedade tão grande, então é fácil elas se tornarem repetitivas.
A recompensa por fazer coisas fora do caminho principal são fichas que compram melhorias para nossos apetrechos, tornando-os mais efetivos mas, mais importante ainda, é que é com isso que abrimos mais uniformes. Cada um deles que é destravado vem com uma habilidade, mas, depois de abertos, podemos combiná-la com qualquer uma das outras roupas.
Muitos dos poderes dos uniformes são um pouco parecidos entre si, resumindo-se a “incapacitar um grande grupo”. Na minha experiência, o primeiro de todos que é destravado é provavelmente o mais poderoso do jogo inteiro, disparando teias em todos que estão ao redor. Eles, assim como os uniformes, podem ser trocados a hora que quisermos, até mesmo no meio de um combate. Então acaba sendo divertido testar tudo e mudar nosso visual de tempos em tempos, até porque há uma gama considerável de roupas, incluindo a do Aranha-Escarlate e Homem-Aranha 2099. O uniforme também tem habilidades passivas destravadas com as fichas, mas seus efeitos são bem sem graça e não fazem muita diferença.
A história maior, que pede que o herói da vizinhança salve o dia, é ruim e mal contada. O jogo se passa em um universo à parte dos quadrinhos, com alguns elementos que diferem do que estamos acostumados. A Insomniac até aproveita às vezes essa liberdade, subvertendo nossas expectativas. O melhor exemplo disso está em Mary Jane, que é aqui uma personagem bem diferente de como é comumente retratada, sendo capaz de fazer coisas por conta própria, na maioria das vezes nem precisando pedir ajuda para o Homem-Aranha. Infelizmente, com exceção dela e de Miles Morales, que também está excelente no jogo, isso raramente é feito. A trama principal, que inicialmente envolve um plano do Sr. Negativo para depois incluir outros supervilões, poderia estar em um episódio em duas partes de um desenho animado, mas aqui, por se tratar de um jogo de mais de uma dezena de horas, ela é enrolada. Ela não tem ritmo, nada acontece durante muito tempo para então um monte de coisa acontecer de uma vez, mas sem impacto nenhum.
Há um suspense feito em torno da dualidade de Martin Li e Sr. Negativo que é estranho, como se isso não fosse algo que já seria conhecido pelos jogadores. O esquisito é que parece que o fato será tratado pelo menos como uma grande revelação aos personagens, que desconhecem a identidade do supervilão, mas quando isso vem à tona ninguém liga. Na verdade, mais parece que de repente os protagonistas sabem desse fato sem nenhuma exposição. Tia May, que deveria ser a mais afetada por trabalhar ao lado de Li no centro comunitário F.E.A.S.T. apenas faz o comentário “prefiro lembrar como ele era em vez do que ele se tornou” e pronto, o assunto nunca mais é tocado. Toda construção de horas e horas é simplesmente jogada fora.
Essa característica se repete mais algumas vezes na aventura. Eventos terríveis são antecipados pelos personagens, mas quando chega a hora de algo acontecer eles não são nada de mais, resolvidos imediatamente, ou provocando muito menos estragos do que o previsto. É quase como se faltasse uma edição maior à história, dado que certas informações são repetidas com tom chocante do nada, como se elas já não nos tivessem sido ditas há pouco tempo.
Ao final eu senti que todas as cenas em que a Tia May aparece poderiam ser trocadas entre si, pois são praticamente idênticas. O jogo só sabe retratá-la como uma senhora de meia idade extremamente bondosa, quase angelical, mas sem adicionar nada além disso e, consequentemente, sem que as cenas que a envolvem tenham algo a acrescentar para a história. O mesmo pode ser dito sobre Dr. Octavius. O papel dele na trama é inusitado para o personagem e há um motivo legal para o vermos com frequência. Infelizmente, tal qual tia May, quase todas as cenas dele tem um só tom e a construção da figura é desperdiçada em favor do acontecimento mais sem graça o possível. A impressão que dá é que o roteiro como um todo foi remendado, sem muita atenção a como as peças se encaixam.
Ao final o jogo tenta ter um apelo emocional, mas o caminho até lá é tão insosso que nada funciona. Junto disso, existem duas cenas coladas uma na outra, do Homem-Aranha com dois personagens diferentes, que falam ao herói basicamente a mesma coisa. Elas deveriam ser chocantes, mas é só esquisito que o mesmo evento se repita em questão de minutos.
Dito isso, é impressionante como o jogo executa primorosamente os pequenos momentos. A Insomniac acerta em cheio em por que o Homem-Aranha é um herói tão especial e admirado por tantos. Se nos jogos da série Arkham a Rocksteady sempre fez questão de retirar civis de cena, com as explicações mais absurdas o possível para que não fossem um empecilho para Batman em sua busca por justiça, Spider-Man reforça diversas e diversas vezes que o ponto é justamente salvar esses indivíduos.
Uma frase proferida algumas vezes na aventura é “quando se salva uma pessoa salva-se todas as pessoas” e através de nossas ações essa ideia é passada de maneira genuína. A ameaça até ganha eventualmente uma grande escala, mas o Homem-Aranha está sempre mais preocupado com inocentes que possam estar acidentalmente no caminho da destruição, desviando de seu objetivo principal para salvar vidas e então retornar ao que estava fazendo. Impedir um supervilão é consequência da necessidade que Peter Parker tem de garantir que todos chegarão são e salvos em casa no fim do dia. Essa proximidade do aranha aparece de maneira bem legal quando andamos pelas ruas e pessoas se aproximam para tirar fotos ou pedem um “high five”. Há até mesmo um feed de rede social que podemos ver, para saber o que estão falando de nós.
Nunca é esquecido que o herói não é um milionário, tendo de trabalhar no tempo em que não está combatendo o crime. Enquanto ele enfrenta seja lá qual é o plano do supervilão da vez, Peter tem que dar atenção para sua tia, dar seguimento a sua via profissional, lidar com problemas de relacionamento (e a tensão de mensagens não respondidas) e arranjar dinheiro para pagar o aluguel no fim do mês. Nenhuma dessas situações descritas são hipotéticas, todas elas aparecem no jogo. Tal qual o super-herói, esses momentos simples pelos quais todos nós passamos são espetaculares.
Há também uma noção muito clara de espaço. Homem-Aranha é o herói de Nova Iorque e a cidade, com suas características específicas, é uma constante na aventura. Há comentários sobre trens atrasados, sobre o mau-humor do nova iorquino e outros detalhes que passam uma sensação de lugar concreta e forte. Há uma missão em específico que, por motivos que não irei detalhar, o Homem-Aranha precisa encontrar um caminhão de lixo. A missão não tem nenhuma grande ação, envolvendo na sua maior parte ir de um ponto ao outro. Mas no caminho, enquanto está saltando por entre prédios, o protagonista conversa ao telefone com um empregado da empresa de caminhões de lixo, eventualmente trocando ideia sobre pizzarias em subúrbios e sua qualidade. É uma missão rápida, mas é uma das ocasiões que nos lembra que o Homem-Aranha é uma pessoa comum que por um acaso se viu dotada de grandes habilidades, passando pelas mesmas ansiedades, prazeres e vontades que nós temos. O fato de Peter Parker ser tão importante quanto seu alter ego é um dos maiores e mais importantes características do trabalho da Insomniac.
Spider-Man é um bom jogo do Homem-Aranha, o que não é algo inédito ao personagem, mas fazia algum tempo desde a última vez que tinha acontecido. Ele tem partes cansativas, sofre às vezes de repetição e tem uma estrutura um pouco batida em jogos de mundo aberto. Ainda assim, cada vez que o tédio começava a chegar eu me via dissipando-o ao me pendurar em prédios e balançar com uma teia de aranha pela cidade, dando rasantes por entre carros, saltando por cima de prédios, desferindo golpes em bandidos ou sorrindo por conta de trechos singelos que são mais sobre Parker do que o aranha. O trabalho da Insomniac explora uma faceta desse super-herói que é única a ele, e nos lembra constantemente por que o aracnídeo é uma figura tão querida.
Spider-Man
Desenvolvido pela Insomniac Games
Distribuído por Sony Interactive Entertainment
Disponível para PlayStation 4
Lançamento: 07/09/2018
A análise foi feita com uma cópia do jogo providenciada pela assessoria de imprensa