Panoramical é uma sinfonia para a contemplação sinestésica da natureza

Guardada as devidas proporções, Panoramical pode ser comparado ao que Fantasia foi para o cinema em 1940. O filme da Disney foi um experimento caríssimo unindo as linguagens do cinema, da animação e dos musicais, além de tecnologias inéditas para a época — ele foi o primeiro filme a ser acompanhado de um sistema de som estereofônico, colocando para dentro de si próprio as orquestras reais que, na época, musicalizavam as exibições de cinema. Panoramical é um projeto muito menor, mas não menos ambicioso, e com a mesma sinergia entre imagem e som que tornou o filme da Disney tão emblemático.

Criado pelo designer e artista visual argentino Fernando Ramallo e por David Kanaga, um dos artistas musicais mais inventivos dos videogames da atualidade, responsável pela trilha sonora dinâmica dos excelentes Dyad e Proteus, chamar Panoramical de um “visualizador musical” seria uma afronta ao complexo e brilhante trabalho da dupla. “Mergulhe em vistas alienígenas sinestésicas e controle-as como um deus do disco ambiente”, diz, com muita precisão, o belo site oficial do jogo.

Não há nada muito parecido com Panoramical: trata-se de uma experiência ora intensa, lisérgica e arrebatadora, ora plácida e puramente apreciativa, sobre exploração e manipulação visual e sonora de ambientes naturais sintetizados. Com comandos simples, realizados via teclado e mouse, gamepad ou até mesmo um controlador MIDI, podemos criar elevações terrestes, intensificar o sopro do vento, aumentar o nível da água, fazer plantas e fungos brotarem do solo, acelerar a passagem do tempo… tudo depende da “cena”, como cada fase é chamada em Panoramical.

 
 

Tudo que cresce, vibra, pulsa, serpenteia e se transforma, o faz visual e sonoramente. Assim, em uníssono, a partir da combinação das nove variações de elementos gráficos e sonoros, cada qual com suas próprias nuances e particularidades, você dá vida a paisagens audiovisuais únicas. São cavernas, florestas, pântanos e rios que emergem organicamente da sua experimentação. E como é incrível ver surgir de uma tela em branco, a partir de alguns pouco inputs, vistas abstratas tão lindas, surreais e hipnóticas.

Seus múltiplos estímulos visuais e sonoros co-existem harmonicamente, formando uma sinfonia de polígonos, movimentos, sons, formas e sensações. De certa forma, há toques aqui de Biophilia, o álbum e projeto transmídia inovador encabeçado pela Björk, lançado em 2011. Embora as mecânicas e a forma com a qual interagimos com as cenas em Panoramical sejam sempre as mesmas, os temas sobre vida e natureza e as melodias que emergem da nossa experiência remetem a algumas das músicas e aos aplicativos de Biophilia, que flertavam com a linguagem do videogame.

A fase final de Dyad, de co-autoria de Kanaga (que eu, apaixonado por experiências sinestésicas, considero um dos momentos mais emblemáticos e inesquecíveis da história recente dos videogames), também parece ter sido influência direta em Panoramical. Nela, o jogo abandonava suas mecânicas básicas e pesados desafios lentamente, seduzindo o jogador a um estado de transe, até que, no ápice de sua hipnose, esparramava um líquido neon colorido por toda tela. Confuso, o jogador era levado a pressionar botões, até perceber que ele tinha controle sobre a tinta. É uma sequência incrível, que todos deveriam jogar por conta própria — que pode ser assistida aqui.

Panoramical abre exatamente como Dyad terminava, derretendo seu cérebro em uma sequência capaz de causar convulsões em pessoas fotossensíveis, mas logo abandona a psicodelia “hardcore” para uma experiência mais plácida e contemplativa, trazendo-a de volta mais ao seu final e em cenas bônus, criadas em parceria com artistas convidados, como Bayon (responsável por 4am do selo Pixel Junk e a trilha de Eden), Richard E Flanagan (do excelente puzzle musical FRACT OSC), Mr. Div (famoso por seus gifs geométricos e hipnóticos), dentre outros.

Ele pode ser visto como peça de arte para ser exposta em museus e festivais, mas eu jamais teria sido transbordado por sua experiência de forma tão poderosa como fui em meu contato solitário com ele. Seguindo a estrutura de um concerto, com uma introdução intensa, levando o jogador a explorar e descobrir cada nova cena, acredito que a experiência é muito mais proveitosa, prazerosa e imersiva quando jogada em casa, até por se tratar de um jogo, de certa forma, introspectivo.

Previsto para esta quinta-feira (17), Panoramical estará disponível para PC e Mac via SteamItch.io e Humble Store.