Por que Booker, da capa de BioShock Infinite, se encaixa na arte de outras grandes produções?
BioShock Infinite, um dos jogos mais aclamados dos últimos anos, foi lançado com uma capa deveras genérica. Como um jogo construído com uma visão tão concreta como a do diretor criativo Ken Levine, tão repleto de nuances e profundidade em temas como política, religião e racismo, podia ter sua capa reduzida ao clichê mais batido dos videogames: um homem branco dotado de uma expressão fria, portando uma escopeta?
Levine, na época, deu uma explicação relativamente convincente: para garantir seu sucesso comercial e compensar o enorme investimento da 2K Games, BioShock Infinite deveria apelar não apenas ao público que já o aguardava ansiosamente, mas também aqueles jogadores que não faziam ideia do que ele se tratava e apenas procuravam um jogo divertido para matar caras maus e destruir coisas. Parece um argumento sólido e, de fato, BioShock Infinite pode ter surpreendido algumas pessoas que não esperavam tamanha complexidade de sua trama. Da mesma forma, pode ter frustrado aqueles que não desejavam nada daquilo e que só queriam explodir umas cabeças.
Não soa irônico que uma empresa precise literalmente esconder (em capas alternativas disponibilizadas posteriormente) o que há de mais valioso e inovador em seu produto e tomar seu denominador comum como ponto de partida para sua venda, como se suas qualidades autorais e culturalmente significantes pudessem prejudicá-la? E mais: ao aproximar a capa de BioShock Infinite à de tantos outros shooters disponíveis, com todas elas tentando captar o mesmo possível comprador, da mesma forma, com os mesmos elementos e composições, quão eficiente ela realmente se tornou?
Não é à toa, portanto, que ao encaixar o Booker da capa de BioShock Infinite nas capas de outras grande produções, temos resultados bastante plausíveis. A brincadeira foi divulgada no Reddit em 2014 e voltou a reaparecer recentemente, se mostrando mais atual do que nunca. Afinal, poderíamos substituir Nathan Drake na capa de Uncharted 4 (ao menos a que foi divulgada até agora), um jogo que ainda nem saiu, e obtermos o mesmo resultado — eu não resisti e fiz minha própria montagem, que abre a galeria abaixo.
Mas por que todas elas soam tão convincentes, mesmo quando Booker está evidentemente fora de contexto, como na capa de Mass Effect?
Talvez pelo fato de que na grande maioria delas também (ainda) encontramos um homem branco empunhando uma arma de fogo. Às vezes ele está de costas. Às vezes, a arma é uma espada. Em pouquíssimos casos, trata-se de uma mulher. Mas o padrão está sempre lá.
Se fôssemos pessoas completamente desentendidas de videogames e tivéssemos que responder à pergunta “do que se tratam videogames?”, tendo apenas capas de jogos para julgá-los, provavelmente responderíamos: “videogames tratam de homens e suas armas.”
Os padrões que se repetem em suas capas são os mesmos que determinam os temas, os cenários, as mecânicas e a estética de um jogo AAA. O mesmo padrão que fez com que o jogo de Mad Max, produzido simultaneamente ao filme, não tivesse a mesma relevância cultural que sua produção cinematográfica. E quando o orçamento destas produções ultrapassam a marca dos oito dígitos, é até compreensível que grandes produtoras queiram seguir exatamente o caminho seguro trilhado por aqueles que obtiveram sucesso anteriormente, que provavelmente também seguiu um exemplo deixado no passado, o qual, não seria de se surpreender, tivesse também em sua capa um homem empunhando uma arma. A indústria AAA, em grande parte, continua refém de seu próprio passado.
O sucesso de vendas de BioShock certamente foi mais motivado por sua aclamação e qualidade do que sua capa. Mas nem mesmo as 6 milhões de cópias vendidas até maio de 2014 impediram a 2K Games de fechar o estúdio Irrational, responsável pela série BioShock, no início do mesmo ano, e demitir a grande maioria de seus funcionários. Levine afirmou que passaria a se dedicar a jogos menores.
Metal Gear Solid V: The Phantom Pain (cuja capaconseguiu fugir um pouco do padrão) teve um destino bastante similar. A saída premeditada de Hideo Kojima da Konami e a guinada da companhia aos jogos mobile, que demanda investimentos menores e menos arriscados, é mais uma evidência do cenário cada vez mais minguante para as caras grandes produções tradicionais, orientadas primariamente pelo lucro. E, cada vez mais, a noção de autoria nos videogames se torna exclusiva das produções de pequeno e médio porte.
Sem a pressão de orçamentos multimilionários, publishers enormes e a pervasividade da cultura corporativa, jogos podem ser muito mais plurais, diversificados, estranhos, coloridos e ambíguos. Tais como suas capas: