That Dragon, Cancer é sobre perder quem você ama incondicionalmente

Joel Green faleceu na madrugada do dia 13 de março de 2014, com apenas cinco anos. Naquele momento, seus pais Ryan Green, um desenvolvedor de jogos, e a escritora e comediante Amy Green, já haviam decidido contar sua história, como forma de abordar abertamente sua luta contra a doença e homenagear a breve passagem de seu filho pela Terra.

Desde o início, eles sabiam que Joel viria a morrer: a criança teve sete tumores cerebrais ao longo de sua vida. Mesmo assim, o casal se esforçou para dar a Joel a liberdade e alegria que uma criança de sua idade deve ter, mesmo que a quimioterapia muitas vezes o impedisse de deixar o hospital. That Dragon, Cancer, é esta história.

A primeira das 14 cenas interativas que compõem o jogo é um desses momentos de alegria em família. Joel e seus irmãos mais velhos estão à beira de um lago, lançando pedacinhos de pão aos patos. Durante a brincadeira, eles se questionam por que Joel, o irmão mais novo, então com três ou quatro anos, tem um vocabulário tão limitado, a que seus pais respondem delicadamente que, devido à doença, ele é ainda é como um bebê, porém maior. Durante o diálogo, sem que os irmãos percebam, Joel joga um pão inteiro para o pato. Todos riem.

Neste momento eu já sabia que That Dragon, Cancer seria um jogo difícil. Não mecanicamente, mas emocionalmente. Se logo na primeira cena, uma feliz e delicada, uma lágrima já havia escorrido em meu rosto, o que aconteceria nos momentos realmente tristes da história de Joel e sua família?

That Dragon, Cancer é excessivamente humano. A voz engraçadinha de Joel e a maneira como ele distorcia algumas palavras, suas risadas, seu choro agonizante… tudo foi extraído de vídeos e registros da família. Quando Amy manda uma mensagem de voz no celular, preocupada com o diagnóstico de Joel, você ouve exatamente o que Ryan ouviu quando a recebeu. De certa forma, você se sente como um fantasma que apenas observa os momentos de dor e felicidade daquela família, incapaz de interferir no rumo da história — afinal, ela já está traçada. Joel não pode ser salvo, e você sabe disso desde o início. Sua função é apenas observar anonimamente seus últimos momentos de vida e torcer pelo bem de Ryan e Amy.

Tudo recebe um tratamento metafórico e poético. A doença, que assume a forma de galhos negros e pontudos, que se ramificam para todos os lados, acompanha o jogador pelos cenários em que ele passa, sempre escondidos em algum canto. A morte premeditada e a luta contra a depressão são simbolizadas por uma tempestade tórrida, que inunda as memórias da vida cotidiana do casal com seu filho adoecido. Em um momento de fraqueza, Ryan pula do barco e se joga no mar.

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Duas cenas me fizeram pausar o jogo, levantar e respirar, na tentativa de me recompor emocionalmente. Em uma delas, o quarto em que Joel estava internado foi preenchido com dezenas de papéis coloridos dobrados. Cada um deles trazia uma dolorosa mensagem de despedida de familiares e amigos a uma vítima de câncer. Já com o coração apertado, me movi para fora do quarto, onde notei que centenas de outras cartas se espalhavam pelos corredores e salas do hospital. Eu não sei se foi a dor que eu sentia a cada cartinha aberta ou a impossibilidade de ler todas que me tiraram de lá.

Em outro trecho, assumo o controle de Ryan, que faz companhia a Joel durante uma noite no hospital — embora você não o veja em seu berço. Subitamente, o choro do garoto toma conta do quarto. Passo a buscar no ambiente qualquer coisa que pudesse confortá-lo, mas não encontro. Os gritos se intensificam, enquanto ando a esmo pelo cubículo, procurando por algo que pudesse fazê-lo parar. Você não vê Joel, mas pela intensidade do choro, dos berros estridentes e rasgados, intercalados por soluços profundos, consegue imaginá-lo se debatendo em dor, com a face inchada. E o jogo intencionalmente continua não te dando nenhuma opção para impedir aquele som horrível. Naquele momento, eu quebrei. Chorei compulsivamente ao lado de Joel, compartilhando com Ryan a sensação de fraqueza e impotência.

That Dragon, Cancer não é apenas uma história de superação. E nem apenas a superação dos pais contra a doença que inevitavelmente tira a vida do filho e contra a depressão, a desesperança e incredulidade de dar continuidade às suas próprias vidas perante a morte. É uma história sobre amor incondicional.

Há, porém, algo de inédito na forma como Ryan e Amy optaram por compartilhar conosco suas vidas com Joel. Talvez sejam os áudios e registros reais que fazem parte da experiência. Talvez seja o peso de reviver momentos tão íntimos, pessoais, delicados e importantes da vida desta família. Talvez seja a transparência e crueza das emoções e sentimentos do casal, impossíveis de não se relacionar. Mas o que eu realmente sinto é que That Dragon, Cancer não é apenas uma história — até porque, ela foge da estrutura convencional de narrativa — mas um poderoso instrumento curativo, um catalizador de empatia, capaz de nos lembrar da razão pela qual nos unimos e constituímos famílias e comunidades.

That Dragon, Cancer, foi lançado nesta terça-feira (12), para Steam e Ouya.