Análise - Wolfenstein II: The New Colossus

Quando Wolfenstein retornou em 2014 pelas mãos de ex-desenvolvedores do estúdio sueco Starbreeze (The Darkness), ninguém poderia imaginar que o jogo que deu origem ao gênero de tiro em primeira pessoa, no começo da década de 1990, poderia trazer uma carga de humanidade tão grande. A narrativa de sua continuação, Wolfenstein II: The New Colossus, não é apenas mais profunda, é politicamente ousada e provocante. Se em partes ele é apenas um jogo de ação absurda e violenta sobre atirar em nazistas, em outras ele é uma declaração contra a discriminação social e um forte comentário político a favor da igualdade entre gêneros e raças.

The New Colossus continua de onde The New Order parou, nos colocando no controle de um William Blazkowicz física e mentalmente fragilizado pela guerra, à beira da morte. Neste novo cenário, os EUA foram dominados pelos nazistas, em uma realidade alternativa da década de 60 na qual a Alemanha venceu a Segunda Guerra Mundial. O tom exagerado, que transita entre o cômico e o incômodo, está presente desde o primeiro instante, quando você precisa expulsar nazistas do submarino alemão capturado no primeiro jogo, que se torna o novo QG do grupo de resistência. Debilitado, recém-saído de um coma, Blazkowicz sai metralhando nazistas de sua cadeira de rodas.

Embora Wolfenstein II continue sendo uma fantasia de poder, o protagonista é o exato oposto do que esperamos desse tipo de experiência. Apesar de sua truculência e aparência de durão, ele é levemente desesperançoso, melancólico e poético. Ele trata a armadura que o permite ficar em pé como asas emprestadas de Caroline, assassinada brutalmente pela sádica Irene Engel, a principal vilã de The New Colossus.

A profundidade emocional de Blazkowicz explorada em Wolfenstein II se estende a sua infância, em cenas de flashback que retratam sua relação com sua mãe, protetora e compreensiva, e seu pai, abusivo e violento. A partir desses momentos, entendemos que a luta de Blazkowicz contra o regime nazista também é uma luta pessoal contra seu pai, sua figura de opressão pessoal.

Em menos de meia hora de jogo, Wolfenstein II já estabelece que, além de ser um jogo de tiro, tem algo a dizer sobre nossa realidade. Sem recorrer a metáforas e alegorias, ele aborda, de forma crua, racismo, gordofobia e antisemitismo. Sua mensagem é clara e posicionada desde o início: os vilões oprimem com base no preconceito e na intolerância.

Apesar de todos seus exageros, sua trama impacta por ser bizarramente verossímil, especialmente em 2017, em que vimos supremacistas brancos marchar em Charlottesville, nos EUA, carregando rifles semi-automáticos e pregando ódio a negros, judeus e outras minorias. Neste cenário em que fantasia histórica e política encontra a realidade, enfrentamos não apenas soldados alemães, mas eventualmente, membros do movimento reacionário Ku Klux Klan, em ambientes típicos do sul dos EUA (historicamente mais conservador), como as ruas do Novo México (Neu Mexico) e áreas pantanosas de New Orleans.

Nessa fusão entre ficção e história, vemos ativistas do movimento de direitos civis dos negros nos EUA se juntar ao grupo de resistência de Blazkowicz, que, inclusive, passa a ser comandado pela irredutível líder do grupo. Dentre as novas personagens está também Sigrun, filha de Engel, uma mulher gorda que, diante dos abusos e atrocidades cometidas pela mãe, se rebela e se junta aos rebeldes, tornando-se um elemento chave para o grupo.

Muito do brilhantismo de Wolfenstein II vem da dinâmica social desse grupo, composto por um soldado brutamontes, uma ex-nazista gorda, uma negra empoderada (e mãe), uma grávida, um cientista judeu, um gigante deficiente mental e um viciado em LSD (caso salve Wyatt, parceiro de Blazkowicz), além dos membros de menor escalão. A dedicação da equipe da MachineGames em construir cada um desses personagens é exemplar, ainda que essa construção seja quase que exclusivamente limitada à cutscenes e textos, que intercalam a ação.

Essa estrutura linear, que alterna entre momentos de narrativa e de ação, poderia ser um problema, dado que a trama quase não acontece durante a jogabilidade. Mas a verdade é que, se não fossem as custcenes, com todas suas qualidades cinematográficas, talvez Wolfenstein II não tivesse a mesma carga dramática e nem uma trama tão clara e bem direcionada. Das minhas longas 28 horas de jogo, ao menos três foram dedicadas a cutscenes. De tão bem escritas, dirigidas e atuadas, às vezes eu me pegava torcendo para que a fase acabasse logo para que eu pudesse apenas assistir à Wolfenstein II, especialmente nos trechos finais, quando a ação deixa de ser apenas intensa para também se tornar frustrante.

Mas a maestria de Wolfenstein II não se limita à narrativa. Ele se sustenta pelos mesmos pilares que tornaram o reboot um excelente shooter, permitindo que o jogador transite entre a furtividade e o embate direto e o recompensando por cada pequena ação. Tal como no original, você ganha pequenas melhorias conforme realiza diferentes ações, seja com sua imprudência ou discrição.

Tal como o Doom de 2016, a ação é veloz e carrega mecânicas típicas de shooters clássicos, como vida que não se regenera e arsenal inteiro a sua disposição, com exceção de algumas armas especiais. Ele, inclusive, quebra algumas convenções, entregando ao jogador armamentos poderosos já no começo da aventura.

Algumas novidades são introduzidas na metade do jogo, como a possibilidade de decriptar códigos que revelam a posição de comandantes nazistas em missões opcionais — o que também é uma forma de revisitar lugares da campanha e procurar por colecionáveis inicialmente deixados para trás. Em uma reviravolta absurda, o jogo também oferece a oportunidade de escolher um dentre três novos movimentos, que permitem Blazkowicz acessar lugares secretos ou transitar entre áreas com mais agilidade, útil também para causar emboscadas.

A ação só empaca quando, em determinadas situações, o jogo não deixa claro o que quer que o jogador faça para progredir ou quando, mais pro final, ele insiste em lançar ondas infinitas de inimigos resistentes e poderosos em sua direção. Na primeira situação, é comum você andar a esmo em busca do que fazer até perceber que a solução estava na sua cara — especialmente nos cenários mais labirínticos. Já na segunda, a irritação está em morrer constantemente, às vezes poucos segundos após carregar o jogo salvo. Estes momentos de tédio ou frustração, porém, são exceções.

Com sua abordagem política contundente, trama memorável e uma ação sólida e absurda, Wolfenstein II: The New Colossus se configura como um dos melhores shooters dos últimos anos, superando largamente seu antecessor. Desde BioShock Infinite não víamos um jogo de tiro abordar de forma tão categórica temas que normalmente são evitados por videogames — de maternidade ao racismo. E, considerando o contexto político no qual o jogo foi lançado, ele não poderia ser mais relevante.

Wolfenstein II: The New Colossus
Desenvolvido pela MachineGames
Distribuído pela Bethesda Softworks
Disponível para PC, PlayStation 4 e Xbox One
Data de lançamento: 27/10/17
A análise foi feita com uma cópia do jogo providenciada pela assessoria de imprensa

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★★★★★

Wolfenstein II: The New Colossus é não apenas um ótimo jogo de tiro, mas um com algo a dizer sobre temas que permeiam a nossa própria realidade, muito embora ele a exagere da mesma forma que o faz com sua ação. E nessa fantasia retorcida, por mais divertido que possa ser atirar contra nazistas, o que certamente irá ressoar por mais tempo são suas histórias sobre a busca por igualdade e união.