Análise – A Way Out

Em seu segundo jogo, o diretor e roteirista Josef Fares, um libanês radicado na Suécia, volta a abordar irmandade, algo que ele já havia feito com louvor na sua obra de estreia no meio interativo, Brothers: A Tale of Two Sons. Diferentemente do primeiro jogo, no entanto, a irmandade aqui é desenvolvida por Leo e Vincent, dois prisioneiros sem vínculos familiares mas que compartilham um mesmo inimigo, diretamente responsável pela suas detenções. Assim, eles desenvolvem uma relação de parceria para fugirem da cadeia e vingarem as injustiças que arruinaram suas vidas e famílias. Não coincidentemente, Leo é interpretado pelo ator Fares Fares, irmão do diretor e um grande colaborador, presente em quase toda sua filmografia.

Diferentemente de Brothers, em A Way Out Josef Fares põe em prática sua experiência como cineasta de forma mais direta, estruturando o jogo como um drama interativo, similar ao que o francês David Cage tem feito com seus jogos na QuanticDream. Curiosamente, A Way Out tem muito da experiência proporcionada por Heavy Rain, mas falha em oferecer o mesmo grau de profundidade e tensão. A história aqui é linear e as escolhas ou falhas dos jogadores não fazem com que a trama se adapte. Morreram? Fracassaram? Vocês voltam ao checkpoint mais próximo e refazem a sequência, mesmo que ela envolva cutscenes impossíveis de pular.

“Vocês” no plural mesmo, porque A Way Out é um jogo que exige a cooperação de dois jogadores simultâneos. E mesmo que eles estejam compartilhando a experiência online, cada um em sua casa, com sua própria TV, a tela permanece dividida em duas, pois o jogo inteiro é construído em torno desse conceito.

O estúdio Hazelight, de Fares, encontrou diferentes maneiras de manter os jogadores próximos o suficiente no mundo do jogo para que o ponto de vista de um auxilie na realização de uma atividade do outro ou apenas acentue o efeito dramático ou cômico da ação. A experiência é centrada em situações para explorar a atuação conjunta dos jogadores, às vezes demandando sincronia de movimentos, às vezes fazendo com que um ofereça suporte ao outro ou mesmo dando a eles papéis completamente distintos.

Com exceção de alguns trechos abertos, em que os jogadores possuem liberdade para brincar com o cenário, competir em minigames e entrar em conversas aleatórias e sem qualquer importância, o jogo é cheio de pequenas mecânicas sociais, de navegação, furtividade, luta e perseguição, sempre com um grau de desafio bem reduzido, que prioriza o desenrolar rápido da trama.

Um dos maiores méritos de A Way Out é a maneira como ele equilibra ação e narrativa sem que, para isso, ele precise se sustentar em mecânicas de combate. Na maior parte do tempo, Leo e Vincent estão maquinando e pondo em prática planos mirabolantes de fuga e encontrando maneiras criativas de enganar alguém. Inclusive, é justamente quando o jogo replica as mecânicas convencionais de tiro e cobertura que ele mais falha, não apenas por não fazer isso tão bem quanto jogos da série Uncharted ou Gears of War, mas por acabar deixando de lado as soluções variadas (e mais plausíveis) que ele oferece em outras situações de conflito.

Outra característica que drena muito da tensão e emoção é o design totalmente atrelado ao roteiro, que limita as ações dos jogadores a, muitas vezes, uma sequência linear de possibilidades, bastando que eles as realizem em uma ordem. É algo bem mais simples e com menos peso do que, novamente, Heavy Rain ou Beyond: Two Souls, que embora também sejam totalmente roteirizados, trazem diferentes possibilidades para cada sequência, o que gera tensão e a sensação de que nossas ações estão sendo responsáveis pelo destino do nosso personagem.

Em A Way Out, o jogo parece nos lembrar o tempo todo que não importa o que a gente faça, o caminho será sempre o mesmo, o que serve de amortecedor para qualquer impacto e tensão que o jogo tente nos causar. Ao tirar do jogador uma sensação maior de agência e escancarar suas soluções para permitir uma fluidez maior na trama, A Way Out soa mais como um filme cheio de interrupções mecânicas. Isso não quer dizer que ele não tenha bons momentos, ele só não é tão bem sucedido em ser a montanha russa de emoções que Fares gostaria que ele fosse.

Os poucos momentos em que o jogo realmente bifurca, os jogadores precisam decidir entre a abordagem de Leo, mais agressivo e ousado, ou Vincent, mais cauteloso e ponderado. Mas mesmo nestas escolhas, não há um peso dramático como há, por exemplo, em Life is Strange. Elas normalmente representam apenas eventos passageiros e não parecem determinar aspectos importantes do destino dos nossos anti-heróis, e talvez por isso mesmo seja tão fácil dialogar e chegar a uma conclusão com seu parceiro ou parceira no jogo, e rapidamente esquecer a outra opção.

Há um elenco pequeno de personagens coadjuvantes e sequências focadas em desenvolver as histórias pessoais dos protagonistas, seja por meio de cutscenes não interativas ou partes jogáveis, como um momento em que os dois jogam basquete com o filho de Leo.

O jogo tenta resolver da melhor maneira possível o fato de que, muitas vezes, enquanto um jogador está acompanhando um diálogo importante, o outro está perambulando pelo cenário e fazendo suas próprias descobertas, completamente alheio ao que acontece do outro lado da tela. Há muita elegância e criatividade na forma como a Hazelight lida com essa duplicidade de acontecimentos, às vezes surpreendendo o jogador com um terceiro ponto de vista ou distribuindo a atuação dos personagens em um plano sequência espetacular..

Mas ainda assim, o jogo acaba nunca tendo total controle sobre os sentimentos dos jogadores, visto que eles podem “contaminar”, digamos assim, um ao outro. A experiência social pode ofuscar o drama do jogo, com um jogador desviando o sentimento do outro em momentos-chave. É meio como ver um filme com alguém e ficar papeando sobre ele ao mesmo tempo: você acaba não absorvendo totalmente a experiência.

A trama é eficiente, mas é prejudicada por clichês, furos e coincidências convenientes de roteiro, que, como mágica, sempre coloca a solução de um conflito na frente dos protagonistas. Não é como se esses problemas estragassem a experiência, mas eles certamente dificultam uma conexão emocional com os protagonistas, e sem ela, os momentos finais perdem muito de sua força.

Porque, sim, tal qual Brothers, A Way Out usa de suas mecânicas para criar um efeito narrativo poderoso no final, de grande impacto emocional. É quase como se o jogo inteiro só existisse para concretizar esse momento. Abordar mais profundamente esse trecho seria entrar no campo dos spoilers, então, por enquanto, vou dizer apenas que o que ele faz é bem admirável. Só é uma pena que ele dependa tanto de um vínculo emocional com os personagens difícil de se sustentar, dados os problemas já mencionados.

De certa forma, o estúdio Hazelight entra num território inexplorado com A Way Out, pois até hoje ninguém havia tentado fazer um jogo focado em narrativa e estruturado exclusivamente para duas pessoas. E só por isso, talvez ele já mereça sua atenção. Mas se por um lado eles entregam uma experiência relativamente ousada, que empurra a narrativa em videogames para uma nova direção, por outro, eles tropeçam tanto ao tentar contar uma boa história quanto em entregar um bom jogo.

A Way Out
Desenvolvido pela Hazelight
Distribuído pela EA
Disponível para PC, PlayStation 4 e Xbox One
Data de lançamento: 23/03/18
A análise foi feita com uma cópia do jogo providenciada pela assessoria de imprensa

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★★★✰✰

A Way Out merece atenção só por arriscar fazer algo diferente, e embora ele seja bem sucedido na maior parte do tempo, ele falha em transmitir para o jogador a sensação de agência, o que acaba por reduzir seu impacto emocional ou a importância de suas ações. Embora ele não seja a montanha russa de emoções que tenta ser, ele rende momentos divertidos.