Spark, o "Sonic brasileiro", soa como um jogo perdido da Sega dos anos 90
A cena de hacks de Sonic é uma das mais férteis dos videogames e alguns de seus membros mais proeminentes são brasileiros. O paulistano Felipe Ribeiro Daneluz, mais conhecido como LakeFeperd, ganhou notoriedade ao criar três dos melhores jogos não-oficiais do mascote da Sega (Sonic: Before The Sequel, Sonic: After The Sequel e Sonic Chrono Adventure). Toda essa experiência foi aplicada em seu primeiro jogo original, lançado em 10 de abril no Steam.
Construído a partir do mesmo conjunto de ferramentas open-source que Daneluz usou em seus jogos anteriores, o Sonic Worlds, Spark the Electric Jester é uma ode aos jogos do Sonic, ainda que não se limite a replicar as mecânicas que a Sega criou para ele.
Spark soa como uma fusão entre Sonic e Kirby, construído com o fascínio e a ingenuidade de um garoto de 10 anos. Do primeiro, ele herda a atitude rebelde. Do segundo, a capacidade de se transformar em múltiplas versões de si próprio. A mistura pende mais para o título da Sega, o qual Daneluz e sua equipe de compositores parecem estar constantemente tentando invocar, seja com sua trilha recheada de R&B, house, funk e rock, seja com seu level design ramificado, que prioriza a velocidade. E embora ele seja bem sucedido enquanto uma cria de Sonic, seus problemas parecem vir justamente do fato de Daneluz trabalhar sozinho.
Para um jogo feito por uma pessoa, a quantidade de conteúdo de Spark é espantosa. São dezenas de inimigos e chefes, cada qual com seus próprios padrões de comportamento e animações. Cada uma das três campanhas disponíveis, de aproximadamente três horas cada (duas delas inicialmente bloqueadas), possui seu próprio personagem jogável e uma dúzia de fases únicas, enquanto os jogos de Sonic costumavam não ter mais do que oito.
Por outro lado, Spark parece carecer de um certo polimento, que só seria possível com a inclusão de mais pessoas na equipe. Embora ele tenha seu charme, sua pixel art é simplória — bem menos vistosa e limpa do que a de Freedom Planet, outro jogo nascido da cena hacker de Sonic –, o que lhe confere um certo ar de amadorismo. A jogabilidade também sofre: a primeira metade do jogo é tão fácil que elimina do jogador a necessidade de compreender os diferentes poderes e tirar proveito deles, como em Kid Chameleon. Só fui entender para quê servia a coleção de faíscas, que muito lentamente preenchem uma barrinha, quando morri pela primeira vez, já na segunda metade do jogo: ela me reviveu e pude continuar do ponto em que estava, sem retornar ao último checkpoint. Sem fases bônus, segredos escondidos, vidas ou uma distribuição menos arbitrária dos itens de habilidade, Spark não incentiva o jogador a explorar o cenário ou fazer um uso inteligente de seus poderes, ao menos na maior parte do tempo.
Mas nada disso elimina a energizante satisfação de disparar em alta velocidade em direção ao final da fase, eventualmente golpeando alguns inimigos pelo caminho, saltando entre paredes e realizando pulos duplos. Independentemente de seus problemas, a sensação de jogar Spark é boa, especialmente quando tudo parece fluir em sintonia: os controles precisos, a excelente trilha sonora (a qual me peguei revisitando diversas vezes), a taxa de quadros (que não é das mais consistentes) etc.
A segunda metade do jogo demanda do jogador mais atenção, com desafios que envolvem gravidade, saltos precisos, reconhecimento de padrões em chefes e um uso menos aleatório das habilidades, que se tornam mais raras e, consequentemente, mais valiosas ao jogador.
Se por um lado Daneluz realiza uma releitura interessante de Sonic, eliminando de suas mecânicas elementos incoerentes e aprimorando-as com variedade, ele cria uma nova série de armadilhas, com um sistema de habilidades muitas vezes arbitrário, que parece estar lá só para fazer seu herói parecer “cool”, e uma curva de desafio inconsistente. Curiosamente, era exatamente isso que acontecia com muitos clones de Sonic na década de 90, como Zool e Bubsy — aos quais, ao meu ver, Spark é superior. Seus problemas, contudo, não são do tipo que o tornam frustrante — um sentimento comum na experiência Sonic — o que automaticamente já faz dele tão ou mais apreciável quanto os jogos que o inspiraram.
Spark está disponível no Steam por R$ 14,99