Last Day of June é uma espécie de cubo mágico sobre vidas humanas

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Um jogo que dedica seus primeiros minutos a apresentar um casal em um momento romântico à beira de um lago para logo em seguida envolvê-los em um acidente de carro, que culmina na morte da esposa e na perda dos movimentos das pernas do marido, não parece ser exatamente uma experiência que te fará sorrir. Mas foi exatamente isso que o novo jogo de Massimo Guarini (diretor de Murasaki Baby) causou durante a maior parte de meu tempo com ele.

Last Day of June é um jogo bastante peculiar, meio aventura, meio quebra-cabeça, com uma trama que parece ter sido baseada em Feitiço do Tempo, clássico da Sessão da Tarde. A inspiração, na verdade, foi um clipe do cantor inglês Steven Wilson, que se envolveu com o projeto e compôs a trilha sonora de Last Day of June.

Sem usar palavras e com um estilo visual muito peculiar, o jogo inicialmente parece seguir a veia de walking simulators, se focando na narrativa, mas rapidamente se torna um puzzle-adventure tão fofo quanto esquisito.

Inicialmente controlamos o viúvo paraplégico em sua cadeira de rodas. Eventos nos levam a recuperar um retrato feito por sua esposa e levá-lo até seu ateliê, onde, magicamente, ele nos permite voltar para horas antes do acidente, porém do ponto de vista da pessoa retratada na pintura — no caso, um garotinho solitário que procura alguém alguém para brincar.

Logo, a estrutura de Last Day of June fica clara: através de quatro diferentes retratos, revisitamos o dia do acidente sob diferentes perspectivas. Cada indivíduo possui sua própria mini-trama, totalmente alheia à vida do casal, mas suas pequenas ações naquele dia contribuem direta ou indiretamente para que o acidente aconteça. Nosso objetivo, portanto, é encontrar soluções para seus problemas que não sirvam de gatilho para a fatalidade.

A complicação é que, embora certas soluções não resultem no acidente, elas interferem diretamente nas soluções dos problemas dos outros personagens. É uma espécie de cubo mágico sobre vidas humanas, em que quando você resolve o problema de um lado, você desfaz a solução do outro.

Uma das opções disponíveis para brincar com o garoto, o cão, faz com que a bola caia na estrada, levando a criança a invadir a pista exatamente no momento em que o casal passa por ela de carro. Na tentativa de evitar o atropelamento, o homem perde o controle do veículo e bate. Uma alternativa é direcionar o garoto à pipa, em vez do cão. A ação, contudo, requer o uso de uma corda, a mesma que uma outra personagem precisa para fixar as caixas de sua mudança em seu veículo. Com isso, não há bola na pista, mas as caixas soltas no veículo da moça acabam inevitavelmente resultando no acidente.

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Cada personagem ainda possui uma habilidade própria, usada para liberar um tipo de bloqueio (o garoto derruba vasos de plantas com sua bola, por exemplo), abrindo assim caminho para todos os outros.

Talvez o maior problema em sua estrutura seja a inevitável repetição. Solucionar os problemas em Last Day of June envolve testar e combinar as diferentes possibilidades. Mas o simples ato de “trocar” de personagem requer que você finalize seu dia (o que envolve ver as mesmas cutscenes repetidas vezes), retome o controle do homem da cadeira de rodas, acesse um outro quadro e aguarde o fim de sua animação de introdução. Se houvesse ao menos uma opção de acelerar ou pular as cutscenes, isso seria em grande parte resolvido, mas não é o que acontece. Paciência, portanto, é um requisito para apreciar Last Day of June.

Mas apesar de sua engenhosidade e beleza, eu não derrubei uma única lágrima em minhas aproximadamente cinco horas com o jogo. Considerando minha vocação em chorar com boas histórias (dentro ou fora dos videogames) ou belas experiências audiovisuais, isso representa uma grave falha, especialmente quando o jogo parece estar ativamente querendo te emocionar. Talvez seja a abordagem infantil dos temas e personagens ou o final, clichê e previsível, mas a real é que a trama de Last Day of June e sua resolução me impactaram muito pouco. Ok, eu nunca perdi alguém tão próximo e nem me envolvi em um acidente grave de carro, mas não acho que isso precise ser pré-requisito para apreciar uma boa história trágica.

Talvez isso faça de Last Day of June um jogo menos especial do que ele poderia ser, mas não menos único. Jogos costumam ser previsíveis, até por uma questão de acessibilidade: eles repetem mecânicas, interfaces e conceitos para reduzir a necessidade de aprendizado e tornar nossa experiência mais fluida e agradável. Last Day of June até reaproveita conceitos estabelecidos (como a exploração e abertura de caminhos e atalhos), mas consegue dispensar palavras e tutoriais para apresentar suas mecânicas principais, que apesar de simples, são bastante incomuns. O sorriso que você dá ao entender sua lógica é apenas um dos vários que ele é capaz de despertar, e isso já é motivo suficiente para você querer jogá-lo.

Last Day of June está disponível para PS4Xbox One e PC. No Steam, ele custa R$ 36,99.