Ao dialogar com o passado, Phantasmagoria explorou temas que o deixaram a frente do seu tempo
Este texto aborda detalhes específicos do enredo de Phantasmagoria. Se você tem interesse em experienciar o jogo por conta própria antes de lê-lo, você pode adquirir Phantasmagoria no GOG e no Steam ou nos assistir jogá-lo na íntegra (e legendado em português) em nossa série HRQ vs FMV.
Revisitar jogos antigos é sempre uma experiência estranha. Quando não somos barrados por questões técnicas (como a inviabilidade de rodar um jogo desenvolvido especificamente para Windows 95 em sistemas operacionais modernos), muitas vezes temos dificuldade de aproveitar a experiência da mesma maneira que ela havia sido desfrutada no passado, seja por causa de uma interface defasada para os padrões atuais ou seus gráficos “datados”. Infelizmente, a dependência da tecnologia faz que jogos envelheçam juntamente com elas, e, em alguns casos, isso resulta em uma barreira adicional ao jogador, que se vê forçado a adequar sua mentalidade aos conceitos de interação e design e às limitações técnicas sob as quais o jogo foi construído.
Mas quando essa barreira é superada e nos sintonizamos com o jogo em sua forma original (algo que tem sido facilitado com remasterizações e relançamentos), temos acesso a uma experiência possivelmente mais valiosa que aquela a qual pessoas foram submetidas na primeira vez em que o jogaram. Foi o que aconteceu comigo e com o Heitor De Paola quando jogamos o clássico adventure em FMV Phantasmagoria, lançado em 1995 pela Sierra, para nossa série HRQ vs. FMV.
Ainda que seja tão lembrado por suas fraquezas quanto suas qualidades, o jogo foi um marco: além de ter sido um dos mais complexos títulos baseados no uso de sequências filmadas em estúdio, com atores reais, antecipando técnicas de captura de movimentos que viriam a ser amplamente utilizadas na indústria de games, em jogos como Beyond: Two Souls e Uncharted, Phantasmagoria aborda temas delicados que, mais de 20 anos após seu lançamento, ainda não são tratados com muita frequência nos videogames, como relacionamentos abusivos, violência doméstica e estupro. Em uma análise mais profunda, Phantasmagoria pode ser lido como um comentário sobre feminismo e misoginia, como exploro mais à frente.
Seus temas e a representação gráfica de violência o tornaram vítima de uma forte perseguição realizada pela mídia, organizações religiosas e governos, não apenas dos EUA (onde ele foi desenvolvido) mas de alguns países, incluindo a Austrália, que proibiu a venda do título. Ao lado de Night Trap (outro jogo em FMV que também revisitamos recentemente) e Mortal Kombat, igualmente controversos, Phantasmagoria impulsionou o debate pela regulamentação da classificação etária nos videogames, mas não aqueles que ele realmente propunha.
Entre o sucesso e a infâmia
Phantasmagoria foi escrito, produzido e projetado por Roberta Williams, co-fundadora da Sierra e uma das pioneiras da indústria dos videogames, reconhecida por ter criado o primeiro adventure gráfico, ao lado de seu marido, o programador Ken Williams. Ele foi também um dos jogos mais ambiciosos desenvolvidos no início da década de 90, custando à Sierra US$ 4,5 milhões, então um valor exorbitante para a produção de um jogo — para efeito de comparação, Full Throttle, também um adventure para PC, lançado no mesmo ano que Phantasmagoria, custou US$ 2 milhões.
Jogar Phantasmagoria mais de 20 anos após seu lançamento, tendo acompanhado o processo de amadurecimento da indústria, uma que ativamente busca ampliar suas vozes com mais diversidade, tanto de público quanto de desenvolvedores, evidencia o quão à frente de seu tempo a Sierra estava durante seu auge, entre as décadas de 80 e 90. Ainda que o título tenha alguns problemas de design, uma certa cafonice e canastrice em suas atuações (que, ao menos para mim, gerou uma deliciosa carga cômica à experiência) e uma propensão súbita a uma violência excessivamente gráfica em seus trechos finais (a qual, para ser justo, possui um enorme significado no contexto do jogo), ele parece estar em sintonia com os valores que a indústria busca atualmente, como acessibilidade, diversidade, maturidade e relevância artística.
Para os padrões da época, Phantasmagoria é um adventure aponte-e-clique bastante fácil, com uma narrativa relativamente linear e dividida em sete capítulos — cada um ocupando um CD, na versão original. Porém, Roberta intencionalmente desenvolveu o jogo desta forma, para que mais pessoas pudessem jogá-lo. A interface é descomplicada e dispensa convenções vigentes do período, tornando a ação da personagem contextual e mais direta. Ao reduzir o grau de desafio dos quebra-cabeças, a narrativa (que é, de fato, o foco do jogo) flui com mais naturalidade.
No ocidente, essa abordagem era um tanto nova para o momento em que foi lançado, em que jogos ainda recebiam bastante influência do arcade, dos quais eles herdavam os níveis elevados de dificuldade ou sistemas de pontuação. E, como qualquer mudança de paradigma, recebeu uma certa resistência, já que, no período, o gênero era mais guiado por quebra-cabeças complicados do que narrativas maduras e sofisticadas. Esse tipo de abordagem, que reduz a agência do jogador e o desafio em função da narrativa, só começou a se tornar realmente popular a partir da década de 2010, com jogos como Heavy Rain (o qual, para minha surpresa, parece compartilhar de muitos elementos de Phantasmagoria) e o surgimento de “walking simulators”.
Embora Phantasmagoria seja um jogo pacífico, sem nenhum tipo de mecânica de combate, cuja experiência é marcada pela interação social entre os personagens e alguns quebra-cabeças simples, ele é lembrado atualmente como um jogo assustador, violento e polêmico, muito embora as cenas violentas não ocupem mais do que 10 minutos das aproximadamente seis horas de duração — e você ainda consegue evitá-las, uma vez que a maior parte delas é opcional. Com exceção de textos acadêmicos ou análises mais aprofundadas, raramente sua carga de comentários sociais, por mais explícita que seja, parece ser abordada em textos e vídeos publicados sobre o jogo desde seu relançamento no GOG, em 2010.
Notar que Phantasmagoria não é visto como um jogo muito bom ou relevante atualmente me deixou incomodado, especialmente por conta do choque que ele me causou e da sensação de que havia muito ali a ser debatido. E talvez as razões para isso sejam óbvias: embora tenha sido um dos precursores dos jogos em FMV, o estilo rapidamente entrou em declínio com a ascensão dos gráficos em 3D. Além disso, por mais explícitos que sejam, seus temas simplesmente não eram discutidos abertamente na sociedade ocidental da década de 90 como são atualmente. Por último (e essa é uma conclusão pessoal minha), o público que teve acesso ao jogo durante o período era predominantemente jovem e masculino (embora a Sierra tivesse um público feminino e adulto fiel, com seu grande catálogo de adventures), enquanto que os que não o jogaram, provavelmente tiveram suas opiniões contaminadas pela cobertura tendenciosa. Eu e o Heitor nos encaixamos dentro deste padrão — eu, por nunca tê-lo jogado e me fixar apenas em seus aspectos violentos antes de ter qualquer contato com ele, e o Heitor, por jogá-lo durante sua pré-adolescência.
A maldição da misoginia
Talvez o que mais chame a atenção em jogar Phantasmagoria nos dias de hoje é sua abordagem da violência doméstica. A história se passa no mesmo período em que o jogo foi lançado. Sua protagonista é Adrienne, uma escritora bem sucedida que se muda, ao lado de seu marido Don, para uma mansão de New England, que havia servido de residência para um famoso mágico, Zoltan Carnovasch, e suas esposas durante o século XIX. O início do jogo é pacato, e se concentra em mostrar a relação saudável entre Adrienne e Don, enquanto nossa heroína faz suas andanças pelo local, investigando os objetos deixados pelos antigos moradores. Sua curiosidade a leva a descobrir um segredo, liberando acidentalmente uma espécie de maldição, que passa aos poucos a afetar o comportamento de Don. Desconfiando de que há algo errado com o ambiente e seu companheiro, Adrienne começa a remontar a história de Carno a partir de documentos e objetos espalhados pela mansão, bem como relatos de moradores da região e visões sobrenaturais.
Conforme a agressividade de Don direcionada a Adrienne aumenta, mais ela (e o jogador) passa a entender que a origem de todo o mal está no passado: que Carno, frustrado por ver sua capacidade de controle pleno limitada às ilusões de seus espetáculos, adquire em Paris um livro mágico, capaz de tornar reais suas ambições por poder. Como consequência, ele se torna o hospedeiro de uma presença maligna, que ao lhe garantir seu desejo, faz com que ele aja de forma possessiva e abusiva com sua esposa e filha. Na incapacidade de controlá-las plenamente, ele as mata. Por meio de visões, Adrienne pode testemunhar o assassinato cometido por Carno não apenas de sua primeira esposa, mas de todas as outras quatro mulheres com quem ele se casou posteriormente — todas, mortas dentro da própria casa. E quanto mais se envolve com a história de Carno, mais ela entende que pode ser vítima dos mesmos abusos, porém pelas mãos de seu marido.
Em sua tese de mestrado intitulada Feminist Echoes of the Gothic in Roberta Williams’s Phantasmagoria, publicada em 2011, a pesquisadora de literatura Angela Cox faz uma leitura feminista das duas tramas paralelas que guiam a experiência, concluindo que, alegoricamente, o jogo de Roberta Williams pode ser lido como um comentário sobre a evolução do movimento feminista em si. A partir de uma análise crítica profunda, Cox investiga a influência do gótico em Phantasmagoria — movimento literário iniciado no século XVIII, estritamente ligado à ascensão feminina na literatura, que destacou nomes como Mary Shelley e Ann Redcliffe, além de Edgard Allan Poe e Bram Stoker.
Uma parte de sua tese (que possui 177 páginas) é dedicada aos assassinatos, os quais, ela explica, “atacam as personalidades das mulheres — seus intelectos e aspirações artísticas, bem como suas indulgências e excessos. Além disso, eles miram os mecanismos de enfrentamento de cada uma delas, tornando as coisas que lhes servem de conforto em fontes de horror.”
Hortencia, que passava o tempo cuidando de suas plantas na estufa da casa, é assassinada com uma pá de jardinagem, após recusar uma investida sexual de Carno, e tem seu corpo espremido em um vaso de plantas. Victoria, que parecia recorrer ao álcool como forma de escapar da relação abusiva, tem a cabeça empurrada com força contra uma garrafa de vinho, que a atravessa. Para se livrar do corpo, Carno o esconde dentro de um barril de vinho (o qual pode ser inadvertidamente bebido por Adrienne, no porão da casa). Já Regina, que aparentemente recorria à comida como meio de conforto, é imobilizada e sufocada, enquanto Carno empurra entranhas e carne crua para dentro de sua boca, usando um funil. Por falar muito e expressar seus pensamentos e vontades, Leonora é presa por Carno em uma máquina e, movendo uma manivela, gira sua cabeça em 180 graus, enquanto seu corpo permanece imobilizado, torcendo assim seu pescoço. Embora Leonora tenha uma morte menos personalizada, Angela reforça que ela “é a que mais explicitamente ataca a mulher por sua auto-expressão” — no caso, a voz. A última esposa, Marie, é um twist na fórmula: inicialmente, ela própria tenta matá-lo sabotando um de seus números, usando algo do interesse de Carno contra ele próprio e, portanto, invertendo os papéis, no melhor estilo “parece que o jogo virou”, mas o plano acaba falhando e ela e seu amante são mortos por Carno.
Enquanto, no passado, podemos apenas testemunhar os minutos finais de cada uma das esposas (o que sempre resulta em momentos de isolamento para protagonista, que precisa se recompor mentalmente após as imagens chocantes), no presente, acompanhamos toda a tortura física e psicológica pela qual Adrienne é submetida, após Don ser possuído pelo espírito maligno. Angela sintetiza: “Ele a despreza, grita com ela injustamente, a estupra, mata seu gato Spazz, ameaça as pessoas com quem Adrienne fala, mata o técnico de telefone Mike em um ataque de ciúme apenas por ele ter conversado com Adrienne, desfigura imagens de Adrienne, mata pessoas contratadas por Adrienne para ajudar e, finalmente, tenta matar a própria Adrienne.” Da mesma forma que as esposas de Carno, Adrienne também tem seus interesses intelectuais atacados por Don, que em certo ponto destrói seu laptop, o qual usava como ferramenta de trabalho.
Por e-mail, pergunto a Angela se a representação de violência contra a mulher mostrada em Phantasmagoria não poderia abrir um precedente para que o jogo em si fosse visto como misógino. “Certamente, a ‘cena de estupro’, na qual Don sexualmente ataca Adrienne no banheiro trouxe muita controvérsia sobre se foi ‘realmente estupro’, uma vez que retrata a retirada do consentimento após o início do ato”, diz. “E, de fato, o FBI nos EUA na época não considerava estupro cometido por marido como sendo estupro, então o jogo estava se aventurando em território que nem sequer era coberto por proteções legais. Em um nível, sim, parece misógino, porque é um jogo voyeurista que obtém sua energia motriz da violência contra as mulheres; entretanto, a pergunta é por que o jogo descreve esta violência, e eu penso que a meta é realmente fazer da misoginia em si o demônio que possui primeiro Carno e então Don.” Ela diz acreditar, porém, que ao assumir uma forma física monstruosa, no último capítulo, o desenvolvimento temático do demônio como sendo uma manifestação da misoginia se perde um pouco.
Roberta, hoje aposentada, sempre evitou falar diretamente de feminismo ou empoderamento feminino em entrevistas, embora tenha sido uma das primeiras game designers a inserir protagonistas femininas em seus jogos (como em King’s Quest IV, de 1988, e a série Laura Bow, de 1989). Reclusa, ela não fala mais com a imprensa, o que torna um diálogo direto improvável. Angela, que dedicou boa parte de sua carreira acadêmica estudando a game designer, suas obras e a Sierra, diz acreditar que Williams deliberadamente explorou feminismo em Phantasmagoria. “Eu definitivamente acho que Williams teve a intenção de tratar o relacionamento de Don e Adrienne como um comentário social; contudo, em entrevistas contemporâneas ao lançamento de Phantasmagoria, Williams manteve um tom bem moderado e às vezes até irreverente sobre esse comentário, então é importante não se inclinar demasiadamente na intenção autoral aqui.”
Outro elemento que Angela ressalta em sua tese é a forte influência estrutural e estética da literatura gótica em Phantasmagoria. Um tema comum deste movimento era o status feminino perante a sociedade. Muitas de suas obras, especialmente as que foram escritas por mulheres, tinham um caráter de denúncia, e exploravam o confinamento da mulher em espaços domésticos e sua submissão a figuras patriarcais, bem como a transgressão da fuga e subversão desta condição.
Sua conclusão é a de que Phantasmagoria é uma alegoria sobre o próprio feminismo e seu progresso ao longo dos séculos. “As mulheres na trama de Carno, que vivem no final do século XIX, tentam se salvar — elas resistem várias vezes a Carno de maneiras passiva e ativa; no entanto, cada uma delas falha, e Carno (possuído pela misoginia) posteriormente as assassina”, escreve em sua tese.
“Desta forma, Phantasmagoria (tal como como sua designer, Roberta Williams) sugere que as mulheres do final do século XIX careciam de meios culturalmente aceitáveis para escapar do abuso e derrotar a misoginia, apesar de suas várias tentativas. Hortência tenta uma maneira culturalmente aceitável — silenciosamente recuando enquanto permanece mais ou menos fiel — em vão. Marie tenta uma maneira mais modernamente aceitável de fugir do poder de Carno — buscando refúgio com um aliado e ativamente tentando responder à violência e controle de Carno com sua própria violência, encontrando pouco abrigo. No entanto, ela também é ineficaz contra Carno (..) Este padrão de resistência ineficaz sugere uma visão de como o final do século XX enxergava o final do século XIX, uma que considera o período vitoriano extremamente repressivo, afetando particularmente a identidade e sexualidade feminina, até o ponto de tolerar o abuso.”
Seguindo a lógica oferecida por Angela, ao incluirmos Adrienne na equação, Phantasmagoria estaria celebrando o progresso do movimento feminista entre os dois períodos, pois, no fim do jogo, Adrienne é capaz de reagir e resistir aos ataques de Don, matando-o, bem como se livrando do monstro, a personificação da misoginia — ainda que não consiga salvar sua casa, seu animal de estimação, seu trabalho, seus amigos ou mesmo seu próprio marido, ao qual ela nunca deixa de amar. Após destruir aquilo que tentava matá-la, perdendo tudo no processo, Adrienne abandona a casa, em estado de choque. A tela de créditos acompanha uma música intitulada Take a Stand (em português, “agir”, “manifestar-se”) que, por mais cafona que soe nos dias de hoje, descreve um relacionamento abusivo.
“Devido o espírito de Carno dizer que apenas Adrienne é capaz de mandar o demônio de volta a onde veio [o que acontece momentos antes da sequência final, em uma sessão espiritual, que invoca um Carno arrependido], o jogo também sugere que cabe às mulheres destruírem a misoginia, mesmo que ela se manifeste mais em homens”, interpreta Angela. “Os homens aparentemente são incapazes de reconhecer a misoginia e o mal neles próprios e os danos que causam às mulheres, então a mulher no jogo deve resistir. O jogo ainda argumenta que o progresso feito no feminismo não foi suficiente, uma vez que Adrienne é incapaz de salvar qualquer coisa além de si própria; ela não pode manter seu computador, sua casa, seu marido.”
Um olhar crítico ao passado
Em sua tese, Angela concorda que Phantasmagoria foi amplamente negligenciado em decorrência das polêmicas, e que o foco na violência e no sexo desviou a discussão para termos moralistas, em vez de críticos ou artísticos. “A Sierra — e especificamente a criadora Roberta Williams — claramente pretendia que Phantasmagoria fosse levado a sério como uma mídia adulta”, ela escreve. “O jogo em si convida um público educado a um olhar crítico através de seu uso extensivo de alusões, desenvolvimento temático consistente e um constante apelo à controvérsia. Contudo, a discussão no meio de videogames em meados da década de 90 ainda não estava avançada o suficiente para provocar o tipo de leitura intimista que um jogo como Phantasmagoria convida.”
Embora Phantasmagoria só pudesse ter existido no momento em que ele surgiu, devido a posição privilegiada que Roberta Williams havia alcançado como criadora, o orçamento a qual ela teve acesso e o potencial do formato FMV no início dos anos 90, então visto como o futuro dos videogames, a indústria ainda não estava madura o suficiente para que a obra fosse tratada com respeito.
Mas e se fosse lançado na atualidade, em que jogos estão mais comumente abordando problemas sociais? “Acho que ele falharia espetacularmente nos dias de hoje, em que a política polarizada torna mais difícil ter uma conversa sobre sexismo sem atrair trolls e outros grupos abusivos”, argumenta Angela, que lembra da perseguição que a game designer Zöe Quinn sofreu quando lançou seu jogo Depression Quest, apenas por abordar transtornos mentais de uma perspectiva feminina, antes mesmo da controvérsia com o Gamergate. “Eu acho que jogos que usam o tom gótico — esse senso de espaço fechado e opressivo e o efeito psicológico do terror e do medo — podem ser e são bem-sucedidos e poderiam ser facilmente convertidos em discussões sobre igualdade de gênero. No entanto, simplesmente não estamos vendo grandes empresas, como o que a Sierra era na época, abordando essas questões da mesma forma significativa que os jogos independentes estão.”
Por tudo isso, Phantasmagoria é uma das obras mais interessantes que pode ser jogada atualmente, se comentários sociais são uma das coisas que você procura em jogos. Essa constatação também reforça nossa necessidade de olharmos para trás com mais frequência e cuidado. Se levou mais de 20 anos pra eu perceber que Phantasmagoria se tratava de um jogo sobre violência doméstica e misoginia, quais outros jogos não usaram a linguagem dos videogames para abordar temas social ou politicamente relevantes? Mas essa não é apenas a única razão para olharmos para o passado.
Tal como o que aconteceu com o jogo de Roberta Williams, quando demos atenção ao esquecido Night Trap, vimos algo realmente especial ali: um tipo de jogo com certas limitações e imperfeições, mas diferente de tudo que se tornou padrão neste meio, o que o torna um excelente exemplo da forte cultura de experimentação que existia na indústria durante as décadas de 80 e 90, uma bem menos avessa à riscos como a que existe atualmente.
Angela termina sua tese destacando a importância de olharmos criticamente para os jogos do passado. “Com emuladores e relançamentos ativamente tornando esse esforço [de olhar para os jogos clássicos] mais fácil, eles não deveriam ser negligenciados puramente por preferência pela novidade”, ela escreve. “Uma clara compreensão da história dos jogos, construída sob um corpo sólido de crítica de jogos individuais tanto quanto textos de teoria retrospectiva e históricos, irá ajudar pesquisadores a ganhar uma compreensão mais completa e coerente dos jogos modernos, por entender sua estética, predecessores e influências.” Ainda que seja focada no meio acadêmico, o apelo é válido para qualquer um que busca desenvolver um conhecimento da linguagem dos videogames.